O papel do Estado Português no combate aos maus-tratos aos idosos

Em contexto familiar, o idoso dificilmente denunciará o seu agressor, quer em razão da existência de uma relação de parentesco ou de afetividade, quer, sobretudo, por medo da retaliação, seja ela direta (violência física) ou indireta (abandono do cuidado do idoso), ou até, pela impossibilidade de o fazer, por si.

Foto
"Não podemos votar ao abandono aqueles que ao longo de uma vida contribuíram para o desenvolvimento social" Paulo Pimenta/Arquivo

Nos últimos tempos, os media têm denunciado sucessivos e arrepiantes casos de maus-tratos a idosos, tanto no seio familiar, como em contexto institucional. Torna-se oportuna a reflexão sobre o porquê deste status quo e sobre o que é possível fazer para o inverter.

Os maus-tratos a idosos no seio familiar estão previstos no artigo 152.º do Código Penal, desde que possam considerar-se pessoas vulneráveis em razão da idade e desde que o agressor com eles coabite. Logo aqui, uma crítica se impõe ao modo como o legislador tipificou o crime de violência doméstica, em relação a esta particular categoria de vítimas: a exigência de coabitação reduz a aplicabilidade prática desta incriminação, uma vez que nem sempre o agressor coabita com o idoso, ou por tratar-se de um cuidador não familiar, contratado ou informal, ou porque o familiar cuidador não reside com o idoso a quem maltrata. Recorde-se que os maus-tratos podem ser físicos ou psíquicos, infligidos por ação ou por omissão, o que nos remete, por exemplo, para a falta de visitas e consequente isolamento do idoso, o que se reflete no seu bem-estar psicológico. No domínio institucional, os maus-tratos enquadram-se no artigo 152.º A.

Estamos perante crimes públicos, em que qualquer pessoa que deles tenha conhecimento pode (e deve) denunciá-los às autoridades competentes. Em contexto familiar, o idoso dificilmente denunciará o seu agressor, quer em razão da existência de uma relação de parentesco ou de afetividade, quer, sobretudo, por medo da retaliação, seja ela direta (violência física) ou indireta (abandono do cuidado do idoso), ou até, pela impossibilidade de o fazer, por si. Em meio institucional o drama agudiza-se, uma vez que o idoso, em muitos casos, se torna praticamente refém da instituição em que reside, sem grandes contactos com o exterior, quadro que a pandemia muito agravou.

Como podemos evitar que os nossos idosos sejam maltratados? Na sociedade portuguesa hodierna, os idosos são os cidadãos mais esquecidos e negligenciados e aqueles em relação aos quais o Estado mais falha no seu dever de proteção. As famílias perderam a capacidade de cuidar dos seus idosos, pois no contexto económico atual, é impossível ao familiar prescindir do rendimento que aufere do trabalho, para prestar assistência ao idoso e esta pode tornar-se física e psicologicamente desgastante e incapacitante para o cuidador. Urge o investimento do Estado em infraestruturas residenciais de qualidade, a que todos os idosos possam ter acesso.

Não podemos votar ao abandono aqueles que ao longo de uma vida contribuíram para o desenvolvimento social. Em relação às infraestruturas que já existem, estejam elas habilitadas legalmente para funcionar ou não, é imperativo que o Estado exerça o seu dever de vigilância e assegure a qualidade do cuidado prestado ao idoso. É a nossa Constituição que reconhece que as pessoas idosas têm direito à segurança económica, a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal, evitem e superem o isolamento ou a marginalização social. Cuidemos dos nossos idosos.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Ler 1 comentários