Pretensos referendos para anexação russa já decorrem nas zonas ocupadas da Ucrânia

Votação decorre até terça-feira e as principais organizações internacionais não lhe reconhecem legalidade.

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Um eleitor deposita o seu voto numa assembleia de voto na região de Lugansk STRINGER/EPA

Tal como tinha sido anunciado há apenas três dias, começaram esta sexta-feira os pretensos referendos de anexação pela Rússia em quatro regiões da Ucrânia sob ocupação militar russa ou controladas por separatistas pró-russos.

A votação decorre até terça-feira nas autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no Leste da Ucrânia, e nas regiões parcialmente ocupadas de Kherson e Zaporijjia, a Sul. Foram preparadas centenas de assembleias de voto nestes territórios, mas também em várias cidades russas, como Moscovo, e na já anexada Crimeia. Nesta sexta e durante os próximos dias, haverá também recolha de votos ao domicílio e em locais públicos.

Órgãos de comunicação social russos, como a agência Tass ou o jornal Kommersant, divulgaram vídeos de habitantes das quatro regiões a votar nos átrios e nas escadas dos prédios em que residem e em jardins, rodeados por funcionários, jornalistas e, por vezes, soldados. Nessas imagens não são mostradas cabines de voto e os eleitores colocam a sua cruzinha à vista de todos.

Os pretensos referendos decorrem sem a presença de observadores independentes e num ambiente de conflito bélico, com Ucrânia e Rússia a batalharem pelo controlo de todos os territórios envolvidos. Os soldados russos e os aliados separatistas não conquistaram totalmente nenhuma das regiões em que decorre a consulta. Antes mesmo de qualquer voto ter sido colocado nas urnas, as Nações Unidas, a UE, os Estados Unidos, a NATO e a OSCE declararam que não reconhecem validade ao acto.

“Qualquer pretenso ‘referendo’ planeado pelas ou com o apoio das forças que ilegalmente têm o controlo de facto dos territórios ocupados da Ucrânia seria uma violação das normas internacionais e das obrigações requeridas pela lei humanitária internacional, e por isso o seu resultado não terá qualquer força legal”, declarou a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.

“A realização deste referendo é um momento histórico, não só porque estamos certos de um resultado positivo, mas porque este é o culminar de um caminho difícil”, disse Denis Pushilin, líder da autoproclamada República Popular de Donetsk, que foi dos primeiros a depositar o seu voto. “Estamos a regressar a casa!”, congratulou-se, por sua vez, Vladimir Rogov, alto funcionário da administração político-militar de Zaporijjia que foi nomeada por Moscovo.

Os dirigentes pró-russos daquela região e da de Kherson já há vários meses vinham anunciando a intenção de organizar estes “referendos”, mas o Kremlin foi reagindo publicamente com aparente indiferença, remetendo o assunto para mais tarde. Esta semana a situação precipitou-se e, poucas horas antes de Vladimir Putin fazer o discurso em que anunciou a mobilização parcial de homens russos para a guerra, os supostos actos eleitorais foram decretados para daí a poucos dias.

“Se houver uma adesão desses territórios à Federação Russa, então, naturalmente, as disposições relevantes da nossa Constituição começarão a aplicar-se”, disse esta sexta-feira o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. Isso significa que uma contra-ofensiva ucraniana em qualquer uma das quatro regiões será considerada como um ataque à Rússia. “Certamente”, sublinhou.

A pergunta dos pretensos referendos é semelhante nos quatro casos. “É favorável a que Zaporijjia deixe a Ucrânia, constitua um estado independente e se junte à Federação Russa?”, diz o boletim daquela região. Em Kherson muda apenas o nome da zona e, nas regiões de Donetsk e Lugansk, a pergunta já não menciona a formação de um estado independente.

O governador ucraniano de Lugansk, uma região que está quase totalmente sob ocupação de militares russos ou de separatistas, afirmou que os cidadãos estão a ser coagidos a votar. “Numa empresa de Bilovodsk, o patrão anunciou a todos os empregados que a participação era obrigatória. Quem não participar na votação será automaticamente despedido”, denunciou Serguei Haidai. O político disse ainda, no seu canal de Telegram, que a recolha de votos está a ser feita com escolta de homens armados e que as casas são revistadas para verificar se nelas estão homens em idade de combate.

Na Rússia prossegue a mobilização de tropa. Enquanto milhares de homens tentam fugir para os países vizinhos, como a Finlândia e a Geórgia, por vezes de bicicleta ou esperando mais de 12 horas para cruzar a fronteira de carro, outros protestam localmente contra o destino que lhes é imposto. Vários centros de recrutamento militar em pelo menos cinco regiões foram atacados nos últimos dois dias com cocktails Molotov.

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