Nem todos os que cantam “Bella Ciao” concorrem juntos às eleições

O centro-esquerda italiano falhou todas as tentativas para um entendimento alargado, oferecendo assim “um presente” a Giorgia Meloni.

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Enrico Letta, líder do PD, em campanha FABRIZIO RADAELLI/EPA

Subitamente, cantar ou não cantar Bella Ciao tornou-se tema de debate na campanha italiana. Começou com a presença de Laura Pausini num programa de televisão espanhol a recusar entoar a canção de resistência por não querer “interferir” no combate partidário em Itália, continuou com o líder do partido de extrema-direita Liga, Matteo Salvini, a declarar a sua “estima” pela cantora – e esta a lamentar ter falhado a sua “tentativa para evitar ser arrastada e utilizada num momento tão acalorado e desagradável da campanha eleitoral italiana”. Acabou, já se vê, com muita gente a cantar o tema, transformado em hino oficioso dos mais que prováveis derrotados nas legislativas de domingo.

Só nesta última semana, o ex-secretário-geral do Partido Democrático (PD, principal formação de centro-esquerda) e ex-primeiro-ministro Matteo Renzi cantou Bella Ciao em Livorno; o mesmo fez Carlo Calenda, que candidata o seu Acção (centristas liberais) unido ao Itália Viva de Renzi (Terceiro Pólo); Pier Ferdinando Casini, ex-líder dos democratas-cristãos da UDC (candidata-se como independente ao Senado), cantou em Bolonha; Giuseppe Conte, líder do Movimento 5 Estrelas (M5S, anti-sistema), fê-lo em Génova; o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio (ex-M5S, actual líder do Empenho Cívico), trauteou o tema na Radio1 da emissora pública Rai… Finalmente, foi Enrico Letta, líder do PD, a fazê-lo, no seu comício de quarta-feira à noite, em Siena.

Contas feitas, só quase não cantaram os líderes dos partidos que formam a aliança de direita e de extrema-direita que se prevê seja a grande vencedora do escrutínio – para além dos Irmãos de Itália (FdL), da Liga e da Força Itália (de Silvio Berlusconi), o pequeno Nós Moderados, de Maurizio Lupi, que se juntou à coligação habitual. Ao contrário destes, os dirigentes do grande campo do centro-esquerda – unidos pela música, e por tanto mais – foram incapazes de se entenderem para criarem uma frente unida, o único caminho para poderem travar a chegada da direita radical de Giorgia Meloni ao poder.

“Tinham obrigação de conseguir chegar a um acordo”, diz ao PÚBLICO Monica Frassoni, ex-eurodeputada que foi co-presidente da bancada dos Verdes no Parlamento Europeu e co-presidente do Partido Verde Europeu. “Foi um erro gigante de Letta ter excluído à partida uma coligação com o 5 Estrelas, isso teria aberto um cenário muito diferente”, sublinha.

O PD recusou falar com o M5S por este ter ajudado a fazer cair Mario Draghi, mas ainda negociou entendimentos com pequenos partidos, tendo chegado a anunciar um acordo com o Acção e o + Europa (que nessa altura se tinham federado para depois se separarem e a formação de Calenda se juntar a Renzi), mas Calenda rompeu o pacto (chamou-lhe “a mais dolorosa decisão” da sua vida) quando Letta se aproximou do Esquerda Italiana e do Europa Verde (Si e EV, que concorrem unidos).

De acordo com as últimas sondagens (deixam de poder ser publicadas nas duas semanas de campanha oficial), o PD deverá reunir entre 21 e 22% dos votos, enquanto a aliança Si-EV está acima dos 3%; o M5S estava a subir nos inquéritos e chegava perto dos 15%; enquanto o Terceiro Pólo se aproximava dos 6%. Juntando a estes votos os do + Europa (2,2%) e os do partido de Di Maio 1,2%), o resultado alcança e até ultrapassa os 45% previstos para a coligação de direita e extrema-direita.

A lei eleitoral, que combina o sistema proporcional e o uninominal e privilegia as coligações é “a pior da história”, disse Letta nesses dias de Agosto, entre anúncios de entendimento que se alcançavam e logo se desfaziam. “A lei eleitoral obriga-nos a estar juntos”, defendeu, notando que a recusa dos partidos centristas em se aliarem com o PD seria “oferecer um presente a Giorgia Meloni”. “É meu dever fazer tudo” para o evitar, afirmou. Não foi suficiente.

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