Dar primazia ao cancro pediátrico

Em Portugal, como no resto da Europa, o cancro em idade pediátrica, apesar de doença rara, continua a ser a causa de morte mais frequente em crianças acima de um ano de idade e adolescentes até aos 15 anos.

O Programa Nacional para as Doenças Oncológicas submeteu a discussão pública, em Julho, a Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro 2021 a 2030. Ainda que questionemos o momento, pois o Verão é pouco propício para análises participadas de temas importantes, saúda-se a existência de uma estratégia que abranja um tempo relativamente extenso, e que não esteja sujeita a opções políticas pontuais. E saúda-se, também, a referência — ainda que modesta da oncologia pediátrica, pela primeira vez, num plano oncológico nacional.

No documento em causa, a diretora-geral da Saúde menciona o Plano Europeu de Luta contra o Cancro (PELCC) como “uma das mais importantes medidas tomadas na União Europeia (UE) no âmbito da saúde.” A menção faz sentido: Portugal é membro da UE e o PELCC deveria ser visto como um texto de referência.

Refira-se que a Childhood Cancer International Europe (CCI-E), a maior confederação europeia de associações de pais, sobreviventes e doentes de cancro pediátrico (65 organizações em 32 países), apresentou um conjunto de recomendações que, no seu entender, deveriam constar do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro. Não cabe, no âmbito deste artigo, referir os sete pontos sobre os quais assentava a proposta do CCI-E, mas importa mencionar um pedido fundamental: que o documento europeu contivesse uma secção específica dedicada às crianças, adolescentes e jovens adultos afectados pelo cancro. O ponto 8 do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro intitula-se “Dar Primazia ao Cancro Pediátrico”, e inclui iniciativas emblemáticas para atingimento dos objectivos propostos.

A acrescer a este ponto, e tal como a Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro mencionou nos seus comentários ao documento em apreço, uma recomendação do Parlamento Europeu aos Estados membros (18 de fevereiro de 2022) instava à “inclusão, em todos os programas nacionais de luta contra o cancro, de uma componente dedicado aos cancros pediátricos (...) de modo a garantir a afetação de recursos apropriados e a introdução de programas de execução adaptados às necessidades específicas destes doentes.” Ainda nessa linha, a SIOPE (Sociedade Europeia de Oncologia Pediátrica) salientava a necessidade da inclusão de uma secção dedicada à oncologia pediátrica em todos os Planos Oncológicos Nacionais.

Ora, constata-se que a Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro não inclui qualquer secção específica dedicada a este tema. É certo que está prevista a criação de um Grupo de Apoio e Aconselhamento para o Cancro Pediátrico, mas só numa visão optimista é que esta intenção se alinha com “Dar Primazia ao Cancro Pediátrico”.

Em Portugal, como no resto da Europa, o cancro em idade pediátrica, apesar de doença rara, continua a ser a causa de morte mais frequente em crianças acima de um ano de idade e adolescentes até aos 15 anos. Dois terços dos sobreviventes sofrem sequelas que afectam a sua qualidade de vida; um terço sofre sequelas graves. No entanto, apesar da posição alinhada da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu, da rede europeia de oncologistas pediátricos ou de associações de pais/doentes/sobreviventes, a Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro não vai além da criação de um Grupo de Apoio e Aconselhamento. É pouco.

As limitações de um artigo de jornal não permitem explanar tudo o que constitui esta falta de ambição, e sobre a qual a Acreditar se pronunciou. Refira-se, como exemplo, a desactualização incompreensível do Registo Oncológico Pediátrico, a falta de apoio à investigação, a inexistência, em todos os centros de referência, de consultas de acompanhamento para sobreviventes ou a ausência dos adolescentes e jovens adultos como grupo específico a merecer atenção especial.

Dar primazia ao cancro pediátrico exige mais.

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