Há quase 33 mil pedidos de subsídios para a educação especial. Número não pode traduzir a realidade, diz secretária de Estado

Em audição parlamentar, Ana Sofia Antunes disse que a Segurança Social ainda recebe atestados médicos que tratam a necessidade de uma criança óculos como uma deficiência.

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Pais manifestaram-se esta quarta-feira de manhã à porta da Assembleia da República, por uma inclusão efectiva dos seus filhos TIAGO PETINGA/Lusa

Até ao dia 2 de Setembro, a Segurança Social recebeu 32.770 pedidos de subsídio de educação para o ano lectivo 2021/2022. Um número muito distante do que aconteceu, por exemplo, em 2016, quando os requerimentos não chegaram aos 17 mil. Os dados foram revelados pela secretária de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes, numa audição parlamentar esta quarta-feira. A governante defendeu que, olhando para a evolução da natalidade, o número de crianças com deficiência “não pode ter este aumento” e defendeu a manutenção das equipas multidisciplinares na avaliação dos casos.

O tema foi levantado pelo deputado da Iniciativa Liberal Rui Rocha, que lamentou o facto de a atribuição do subsídio “demorar muito tempo, o que condiciona as famílias”. Rui Rocha pôs também em causa a análise feita pelas equipas multidisciplinares de alguns processos, argumentando que, desta situação, “estão a resultar indeferimentos absolutamente inaceitáveis” e em casos que são “acompanhados por atestados médicos devidamente fundamentados”.

A secretária de Estado, contudo, não se comoveu, e nas duas intervenções que fez sobre o assunto, defendeu inequivocamente a manutenção da avaliação feita por essas equipas. “As equipas multidisciplinares não são um limitador do processo. Não visam atrasar, mas dignificar a atribuição deste subsídio e conferi-lo às crianças que efectivamente dele precisam”, disse. Mais à frente, Ana Sofia Antunes precisou: “Gostaria que um atestado médico fosse um elemento único e suficiente. A realidade não é assim e por isso sentimos a necessidade de criar equipas multidisciplinares. Não estamos a falar de atestados multiúsos, que são inequívocos. Infelizmente, a realidade é que continuamos a verificar situações que não devíamos. Não podemos aceitar como deficiência a necessidade de uso de óculos, de tratamentos ortodentários ou problemas de obstipação”, afirmou.

Em Junho foram divulgadas notícias que davam conta de um corte no subsídio da educação especial na ordem dos 25%. Na altura, a secretaria de Estado veio a público desmentir essa informação, afirmando que tinha, sim, havido um enorme aumento dos pedidos deste subsídio, o que estava a intrigar os serviços.

Esta quarta-feira, na audição parlamentar do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Sofia Antunes voltou ao assunto, dizendo ser “muito difícil desconstruir uma narrativa quando começa a ser construída” e actualizou os números relativos ao subsídio. Segundo a governante, até 2 de Setembro deram entrada nos serviços 32.770 pedidos, tendo sido deferidos 22.770 deles - mais 3% do que tinha acontecido no ano lectivo anterior.

Ainda assim, Ana Sofia Antunes admitiu que também ela gostaria de ter “uma resposta mais eficaz” para os apoios à educação especial, mostrando-se expectante que tal mecanismo possa ser desenvolvido ao abrigo de apoios previstos do PRR - Plano de Recuperação e Resiliência para a Segurança Social.

Um problema antigo

O subsídio de educação especial é uma comparticipação atribuída a crianças e jovens até aos 24 anos, destinada aos encargos que resultam da frequência de estabelecimentos adequados ou a terapias individuais especializadas, como terapia da fala ou psicologia.

A demora na sua avaliação é um problema antigo, dizia ao PÚBLICO, em Junho, uma mãe que costuma recorrer a este apoio para o seu filho, exemplificando: “A verdade é que este subsídio existe para quem tem poder financeiro, não para quem não tem. Submetemos o pedido no mês de Agosto [de 2021], a data-limite, imediatamente antes de iniciar o ano lectivo. Foi deferido há um mês. Até agora tive que pagar tudo e só agora é que me pagaram os três primeiros meses, referentes a Setembro, Outubro e Novembro [de 2021]. No ano passado só me pagaram em Julho ou Agosto, já depois de o ano lectivo terminar.”

Carla Madureira, do PSD, questionou a ministra Ana Mendes Godinho e a sua secretária de Estado sobre a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência, mencionando que nessa mesma manhã, à porta da Assembleia, decorria uma manifestação de pais “para exigirem a inclusão das crianças com deficiência na escola e na sociedade”. A deputada do PSD lembrou ainda a situação dos colégios de educação especial, que estão “a passar por uma situação muito difícil”, já que o apoio do Estado não é actualizado desde 2008, e perguntou que medidas estão a ser tomadas para “ultrapassar estas falhas”.

A secretária de Estado foi vaga na resposta, dizendo que, mesmo que várias medidas previstas na estratégia não tenham sido ainda implementadas, só não ficará “tranquila” se todas não estiverem no terreno em 2025, a data para a conclusão da estratégia.

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