As sete opções de Putin depois do recuo militar da Rússia na Ucrânia

Com Moscovo a manter o silêncio sobre a contra-ofensiva ucraniana, a Reuters falou com antigos militares, estrategos e empresas de consultoria de defesa sobre as opções de Vladimir Putin para o futuro.

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Vladimir Putin ainda não falou publicamente sobre a contraofensiva de Kiev Reuters/SPUTNIK

O Presidente russo, Vladimir Putin, ainda não abordou publicamente a retirada das suas forças do Nordeste da Ucrânia, mas está sob pressão dos nacionalistas no seu país para recuperar a iniciativa no conflito.

Se as informações dos serviços secretos ocidentais forem precisas, não são muitas as opções para uma rápida recuperação russa, e a maioria das possíveis medidas que Putin pode pôr em marcha implica riscos domésticos e geopolíticos.

Desde que chegou ao poder, em 1999, os militantes islamistas da Tchetchénia e da região mais vasta do Norte do Cáucaso estão entre os inimigos armados mais duros que Putin enfrentou. Nesse caso, o líder russo optou por intensificar o conflito.

Estabilizar, reagrupar, atacar

Tanto analistas militares russos como ocidentais concordam que, do ponto de vista de Moscovo, as forças russas precisam de estabilizar urgentemente a linha da frente, deter o avanço da Ucrânia, reagrupar-se e, se conseguirem, lançar a sua própria contra-ofensiva. No entanto, existem dúvidas no Ocidente sobre se a Rússia tem as forças terrestres e o equipamento suficiente para o fazer, dado o número de baixas que sofreu e a quantidade de equipamento que foi abandonado ou destruído durante aquilo a que chama “operação militar especial” para destruir o Exército ucraniano.

“Não há mão-de-obra”, disse Konrad Muzyka, director da empresa de consultoria polaca de defesa Rochan Consulting, após o revés da Rússia no Nordeste da Ucrânia.

“Os batalhões voluntários estão longe da máxima força e a campanha de recrutamento não está a ter o sucesso que se esperava. E penso que só vai piorar, já que cada vez menos homens vão querer juntar-se ao Exército. Se Moscovo quiser acrescentar homens às suas forças, precisa de fazer uma operação de uma mobilização”, continuou o especialista.

Os esforços russos para aumentar o número de tropas que podem ser destacadas incluem a formação de um novo 3.º Corpo do Exército, novas forças comandadas pelo líder tchetcheno Ramzan Kadirov e a assinatura no mês passado, por parte de Putin, de um decreto para aumentar a dimensão das forças armadas da Rússia.

O Presidente russo terá de decidir se concorda com as exigências dos seus críticos nacionalistas, que pedem o despedimento ou a remodelação das patentes militares mais elevadas, incluindo o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, um aliado próximo. Tradicionalmente, Putin não cede à pressão imediata para afastar subordinados, mas já aconteceu retirá-los de cena algum tempo depois.

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Soldados ucranianos preparam-se para transportar um tanque russo abandonado, na região de Kharkiv REUTERS/UKRAINIAN ARMED FORCES

Mobilização

A mobilização das reservas russas, que totalizam cerca de dois milhões de homens com serviço militar completado nos últimos cinco anos, é exequível, mas é preciso tempo para treinar e destacar elementos.

O Kremlin disse esta terça-feira que não houve discussão quanto a uma mobilização a nível nacional “neste momento”. Essa decisão seria popular entre os nacionalistas, mas menos junto dos russos nos centros urbanos que, segundo relatos, não estão muito interessados em juntar-se à luta. Significaria ajustar a narrativa oficial sobre a Ucrânia e afastar-se da descrição do conflito como “uma operação militar especial”, com objectivos mais limitados em comparação com uma guerra aberta.

Por sua vez, essa alteração obrigaria as autoridades a abandonar uma política que tem passado por tentar garantir que a vida da maioria dos russos continua como antes de 24 de Fevereiro. Pôr a Rússia em estado de guerra também traria riscos políticos, nomeadamente o risco de uma reacção pública contra o alistamento obrigatório. Além disso, seria uma admissão de que a Rússia está envolvida numa guerra de larga escala contra um vizinho eslavo, e ainda de que essa guerra está a correr mal para Moscovo.

Andrey Kortunov, chefe do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (CAIR), um think-tank com ligações ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, disse acreditar que as autoridades estão relutantes em apostar na mobilização.

“Nas grandes cidades, muitas pessoas não querem ir lutar e é pouco provável que a mobilização seja popular”, disse Kortunov. “Além disso, penso que é indiscutivelmente do interesse de Putin apresentar tudo isto como uma operação limitada. O Estado gostaria de preservar, tanto quanto possível, as coisas como eram antes, sem fazer quaisquer mudanças radicais.”

Independentemente disso, Tony Brenton, um antigo embaixador britânico na Rússia, considera que levaria meses até que uma mobilização tivesse qualquer efeito na força de combate russa.

Esperar pelo Inverno

Duas fontes russas familiarizadas com a forma de pensar no Kremlin disseram à Reuters, no mês passado, que Putin espera que os preços da energia e possíveis falhas energéticas neste Inverno convençam a Europa a forçar a Ucrânia a chegar uma trégua – nos termos da Rússia.

Alguns diplomatas europeus acreditam que o recente sucesso da Ucrânia no campo de batalha tem ajudado a enfraquecer a vontade de alguns europeus de pressionar Kiev a fazer concessões, enquanto países como a Alemanha parecem ter-se tornado mais duros com Moscovo nas últimas semanas e mais determinados em resolver os problemas energéticos do Inverno.

A União Europeia proibiu o carvão russo e aprovou uma proibição parcial das importações de petróleo russo. A Rússia, por sua vez, reduziu drasticamente as exportações de gás para a Europa e deixou claro que poderia proibir todas as exportações de energia, uma alavanca que Putin ainda não accionou.

Expandir alvos dos mísseis

Depois do recuo no Nordeste da Ucrânia, a Rússia atingiu infra-estruturas energéticas ucranianas com mísseis. As acções provocaram apagões temporários em Kharkiv (Carcóvia) e nas regiões adjacentes de Poltava e Sumy. As estruturas de abastecimento de água e as redes móveis também foram afectadas.

Os ataques foram aplaudidos por alguns nacionalistas russos que gostariam de ver Moscovo utilizar mísseis de cruzeiro para danificar as infra-estruturas ucranianas de forma mais permanente – algo que, por outro lado, irá certamente resultar em reprovação internacional.

As mesmas facções nacionalistas há muito que apelam também a Moscovo para que ataque aquilo a que chamam centros de tomada de decisão”, tanto em Kiev como noutros locais. Tal é, no entanto, improvável de ser alcançado sem danos colaterais significativos.

Acabar ou condicionar acordo de exportação de cereais

Putin queixou-se que o acordo mediado pelas Nações Unidas e a Turquia que permite à Ucrânia exportar cereais e outros produtos alimentares através do mar Negro é injusto para os países mais pobres e para a Rússia.

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Recep Tayyip Erdogan com Vladimir Putin, em Sochi REUTERS/SPUTNIK

O Presidente russo deverá conversar esta semana com o Presidente turco, Tayyip Erdogan, para discutir a revisão do acordo, que dá à Ucrânia receitas orçamentais muito necessárias. Se quiser prejudicar imediatamente a Ucrânia, Putin pode optar por suspender ou cancelar o pacto ou recusar renová-lo, quando este expirar, em Novembro. O Ocidente e os países mais pobres de África e do Médio Oriente acusá-lo-iam de agravar a escassez global de alimentos – Putin, por sua vez, culparia a Ucrânia.

Acordo de paz

O Kremlin diz que ditará os termos de qualquer acordo de paz com Kiev, quando chegar essa altura. Por outro lado, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já disse que vai recorrer à força para libertar o país. Zelensky enfatizou que isso inclui a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014; Moscovo tem repetido que o estatuto da Crimeia está estabelecido para sempre.

Conceder território capturado na Ucrânia oriental, nas autoproclamadas República Popular de Donetsk ou República Popular de Lugansk, apoiadas pela Rússia, também parece politicamente impossível para Moscovo, uma vez que já as reconheceu formalmente. Além disso, a plena “libertação” destes dois territórios das forças ucranianas foi uma das principais razões dadas para avançar com a “operação militar especial”.

A devolução do território capturado no Sul da Ucrânia, onde a Rússia controla parcialmente três regiões, parece também uma decisão difícil de justificar internamente. Kherson situa-se imediatamente a norte da Crimeia e de um canal que abastece de água a península do mar Negro. Juntamente com a região vizinha de Zaporijjia, Kherson também dá à Rússia um corredor terrestre através do qual pode abastecer a Crimeia, algo que Moscovo tem promovido como um grande prémio.

A opção nuclear

Elementos do Governo russo rejeitaram as sugestões ocidentais de que Moscovo utilizaria armas nucleares tácticas na Ucrânia, mas esta continua a ser uma preocupação para alguns no Ocidente. Para além de infligir baixas em massa, um passo assim representaria uma perigosa intensificação do conflito e poderia conduzir os países ocidentais a uma guerra directa com a Rússia.

A doutrina nuclear russa permite a utilização de armas nucleares, se estas – ou outros tipos de armas de destruição maciça – forem utilizadas contra o próprio país, ou se o Estado russo enfrentar uma ameaça existencial de armas convencionais.

Num livro quase autobiográfico publicado em 2000, Vladimir Putin lembra-se de, em jovem, ter encurralado um rato com um pau, quando vivia num prédio degradado de Leningrado (agora São Petersburgo). Ficou surpreendido quando o animal encurralado se atirou contra ele e inverteu a situação. O antigo embaixador Tony Brenton adverte que um Putin encurralado podia virar-se para armas nucleares, se estivesse a ser confrontado com uma derrota humilhante, sem hipótese de salvação.

“Se a escolha da Rússia for entre lutar numa guerra perdida, ou perder mal e Putin cair, ou algum tipo de demonstração de poder nuclear, eu não apostaria contra a utilização de uma arma nuclear”, disse Brenton.

O antigo general americano Ben Hodges concorda que é um risco, ainda que considere improvável.

“Não há vantagem real a ganhar no campo de batalha. Seria impossível para os EUA ficarem de fora ou não responderem, e eu não acho que Putin ou os seus conselheiros mais próximos sejam suicidas”, disse o ex-comandante das forças do Exército dos Estados Unidos na Europa.

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