Colectivo Zás: urbanismo de guerrilha para discutir o que faz falta a Coimbra

Um grupo de jovens arquitectos e estudantes de arquitectura começou por espalhar bancos pelas paragens de autocarro da cidade. O mobiliário urbano instalado à revelia é útil para quem espera, mas é também uma forma de levantar questões mais profundas sobre o desenho da cidade.

Foto
Gonçalo Santos, Lara Reis e Ivan Brito (da esquerda para a direita) são três dos nove membros do colectivo que nasceu para procurar respostas sobre a cidade Nelson Garrido

Os bancos começaram a surgir durante a noite, em paragens de autocarro onde eles não existiam. Distribuído pelo planalto de Santa Clara, Arnado, Praça da República, Estrada da Beira e Rua do Brasil, o mobiliário urbano de madeira foi instalado durante a noite, há cerca de um mês, sem qualquer informação que o acompanhasse, a não ser um código QR no tampo vermelho.

A responsabilidade deste ensaio de urbanismo táctico é do Colectivo Zás, um grupo de nove jovens arquitectos e estudantes de arquitectura que nasceu para procurar respostas para vários dos problemas de desenho da cidade. As acções são experimentais e seguem o princípio de avançar primeiro e perguntar depois.

Interessa ao colectivo discutir questões como o desenho do espaço público, o problema da acessibilidade e a falta de resposta dos organismos públicos às necessidades, explicam ao PÚBLICO Ivan Brito, Lara Reis e Gonçalo Santos, que, com Diana Altino, fazem parte do núcleo fundador do grupo. Mas os pontos dessa lista de interesses poderiam continuar.

Foto

“Estes actos de ‘guerrilha’ permitem-nos fazer as coisas mais rápido”, introduz Ivan. Ao mesmo tempo, ainda que os objectos que instalam sejam temporários, permitem apontar os espaços em branco na cidade.

Uma acção tão simples pode mostrar quem são os mais afectados pela ausência de áreas para sentar em Coimbra. “90% das pessoas que vemos a utilizar os bancos são idosos”, estima o arquitecto, que diz que o colectivo vai recebendo fotos de amigos que comprovam a pertinência da instalação daquele equipamento. “Muitas vezes, nem estão à espera do autocarro. Vêem o banco e sentam-se a ler o jornal, ou algo do género”, conta.

Em Agosto, a necessidade é agravada. Não apenas pelo calor, mas pelos horários dos autocarros, que passam a ser mais espaçados, por conta das férias escolares, nota a estudante Lara Reis. “Era o momento ideal para fazer este apontamento, para dizer que esta necessidade existe”, acrescenta.

Fotogaleria

Esse é os dos principais problemas que identificam pelas ruas e praças da cidade: falta de lugares de permanência. “Os espaços urbanos de Coimbra são desenhados e redesenhados e, muitas vezes, não têm um banco”, constata Ivan. Também se levanta a questão dos elementos que são tidos em conta na hora desse desenhar e redesenhar. “Há muito poucos espaços para a população participar activamente na construção da cidade”, critica Lara Reis. “É tudo muito feito a partir de processos muito burocráticos que envolvem agentes muito pouco diversos”, diz. O colectivo, que é também composto por Artur Gama, Artur Noronha, Bárbara Ângelo, Frederico Ribeiro e Gabriela Vasconcelos, é uma forma de contrariar esse modo de fazer.

Outros caminhos, mais questões

“'Uma nêspera estava na cama/ deitada/ muito calada/ a ver/ o que acontecia/ chegou a Velha/ e disse/ olha uma nêspera/ e zás comeu-a/ é o que acontece/ às nêsperas/ que ficam deitadas/ caladas/ a esperar/ o que acontece”. O nome do colectivo que nasceu há cerca de um ano tem origem neste poema de Mário-Henrique Leiria que o actor Mário Viegas ajudou a celebrizar. “Queríamos que o nome identificasse uma acção, o momento”, explica Ivan. Também não queriam “ser nêsperas paradas para ver o que acontece”, acrescenta Lara.

Começaram quatro elementos, mas a discussão das ideias com amigos e colegas acabou por levar ao crescimento do grupo de uma forma horizontal, até atingir nove elementos (e um extra que não faz parte formal, mas deu uma ajuda preciosa na montagem e na logística, explicam). Esta é também uma forma de levarem a cabo um exercício que não encontram nos ateliers nem nas escolas de arquitectura.

Para já, o colectivo não tem apoios. Os membros dividiram o custo da operação entre si e conseguiram madeira que seria descartada do armazém municipal. “A ideia é que, com os primeiros bancos montados, consigamos ir atrás de patrocínios para causar um impacto mais concreto na cidade, menos pontual que estes cinco bancos”, explica Lara Reis.

Nesta fase inicial, não têm uma linha de acção ou um planeamento rígido. Querem explorar outros caminhos, levantar mais questões. “Estamos a organizar algumas acções bem diferentes desta dos bancos”, conta Lara Reis. No dia 6 de Setembro, dirigem uma oficina no Grémio Operário para ensinar a fazer bancos, no âmbito do Festival Apura. “Não passa tanto por ‘guerrilha urbana’, mas por dar ferramentas para que as pessoas possam replicar este tipo de objectos em casa ou na cidade”, descreve.

Planeiam também conduzir uma caminhada entre as zonas de Celas e Conchada, “áreas da cidade que, apesar de estarem próximas do centro ainda são meio marginalizadas”, refere a estudante, acrescentando que a ideia é fazer um mapeamento em parceria com a antropóloga Sandra Xavier.

Notícia actualizada às 15h31. Incluída menção aos nomes dos restantes membros do colectivo e ao Festival Apura.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários