A História brasileira se repete

A leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” reapresentou ato similar ocorrido em 1977, quando, em pleno regime militar, o professor Goffredo da Silva Telles, no mesmo local, leu a Carta aos Brasileiros.

Ecoou como um “basta” a leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, ato realizado no último dia 11, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Promovido por um movimento realizado a menos de dois meses das eleições, esse ato conseguiu reunir segmentos divergentes e até então inertes diante de perigosas ameaças à democracia feitas pelo atual Presidente.

O ato, marcado pelo encontro de gerações, reapresentou ato similar ocorrido em 1977, quando, em pleno regime militar, o professor Goffredo da Silva Telles, no mesmo local, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava o estado de exceção vigente no país. Passados 45 anos, a história se repete. Cerca de 2500 pessoas estavam na USP, alguns signatários da primeira carta, além de cerca de 20 mil do lado de fora. Eram juristas, professores, estudantes, representantes dos indígenas, negros, LGBTQIA+, do setor empresarial e financeiro, ativistas de diversas causas, reunidos em defesa da democracia.

Atos simultâneos aconteceram em todos os 26 estados brasileiros para leitura da carta em espaços públicos. Ocorreram manifestações de rua em várias capitais. Faixas se espalharam pelo país, com frases como “Ditadura nunca mais”, “Estado de Direito sempre”, “Bolsonaro sai, Democracia fica”.

Porém, essa reação demorou a acontecer, até chegar ao momento em que a democracia brasileira corre sérios riscos diante de repetidos atos de desacato e intimidação. O atual Presidente ataca as instituições, faz apologia de torturas e usa as forças armadas para amedrontar a população. Reduziu impostos sobre armamentos e aumentou impostos sobre livros. Coloca em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e ameaça não aceitar o resultado eleitoral. Faz inadmissíveis ameaças aos poderes da República, incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. A lista de ameaças é longa. E a ausência de reação garante sua impunidade.

Essas ameaças autoritárias a que o Brasil parece estar condenado me fazem lembrar da “Campanha da Legalidade” - movimento ocorrido em 1961 no Rio Grande do Sul, liderado por Leonel Brizola, meu avô, então governador do estado, que se insurgiu contra os militares que tentavam impedir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. Nesse episódio histórico, que no próximo dia 28 completa 61 anos, Brizola assumiu a defesa da sucessão de acordo com a Constituição e mobilizou a população.

O centro de resistência estava no palácio, onde ele improvisou um estúdio e colocou a Rádio Guaíba sob seu controle. Ele montou uma estação radiofônica com a qual comandou 104 emissoras, que formaram uma rede, que reverberava seus discursos 24h conclamando os brasileiros a reagirem. Milhares de pessoas protestaram contra a tentativa de golpe. Brizola conseguiu a adesão do III Exército. O conflito foi contornado com a imposição do parlamentarismo, sem o apoio de Brizola, e Goulart foi empossado Presidente. Foi a primeira vez que um brasileiro, com os necessários apoios, conseguiu impedir um golpe. Entretanto, era o adiamento de um plano que se concretizou três anos depois, com o Golpe Militar de 1964.

Nesse momento em que movimentações políticas e militares ameaçam com ruptura democrática e há reação, a fala de Brizola, dita há 60 anos, parece atual: “Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe. Que nos chacinem neste palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. [...]” É essa a mensagem transmitida na carta, que o processo eleitoral é seguro e que os/as brasileiros/as não aceitarão a volta da ditadura. Quem diria que em 2022 ainda precisaríamos exigir respeito à Constituição? A situação é grave e é preciso estar em vigília cívica para garantir o resultado das eleições. Como bem diz Caetano Veloso, “é preciso estar atento e forte”.

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