PSD pede ao regulador da energia “análise séria e robusta” sobre mecanismo ibérico de preços

Despacho do primeiro-ministro sobre facturas da Endesa leva PSD e IL a acusarem Governo de “castigarem” empresa por declarações do seu administrador. Já o BE gostou da actuação do executivo e pede mais.

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A entrevista do CEO da Endesa abriu uma polémica LUSA/TIAGO PETINGA

O PSD vai pedir à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que faça, com urgência, uma “análise séria e robusta” ao mecanismo ibérico de travão dos preços da electricidade produzida a partir de gás e diga “de facto qual é o seu impacto”. “Devemos saber todos qual é a verdade sobre este mecanismo-travão, totalmente opaco e muito complexo, de modo a que se protejam os consumidores”, afirmou o vice-presidente do partido Miguel Pinto Luz, em conferência de imprensa.

Esta decisão de recorrer à ERSE foi tomada após ser conhecido o despacho do primeiro-ministro, noticiado pelo PÚBLICO, que obriga à validação pelo secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba, de todas as facturas de electricidade da empresa Endesa de todos os serviços públicos seus clientes, assim como a determinação de que a administração pública central e local procurem fornecedores alternativos de energia que não pratiquem preços especulativos. Um despacho que está a ser entendido pelos partidos políticos como uma resposta do Governo à entrevista do presidente da Endesa do passado fim-de-semana, em que este admite aumentos da luz na ordem dos 40%.

“O Governo não gostou do que ouviu e então castigou”, disse Miguel Pinto Luz aos jornalistas. Usando palavras idênticas, esta foi também a reacção do líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo: “Perante declarações de uma empresa privada de que não gosta, o Governo retalia […] e ameaça com a mudança de fornecedores”. Ambos acabam por afirmar que esta é a nova versão da frase de Jorge Coelho, “quem se mete com o PS, leva”.

O dirigente social-democrata considera que o despacho revela “uma postura inaceitável, com laivos persecutórios”, e critica o facto de ele se dirigir a uma empresa e não à protecção de todos os consumidores, além de representar um “atestado de incompetência à administração pública” na gestão financeira.

Miguel Pinto Luz contrapõe que o PSD apresentou há três meses um programa de emergência social que ajude as famílias a fazer face ao aumento de preços e desafia o PS a apresentar medidas nesse sentido. “O Governo está a ganhar mais de três mil milhões de euros em impostos com a inflação, pelo que, mais que justiça, é de moralidade que falamos”, disse.

Se o PSD tem dúvidas sobre o real impacto do mecanismo ibérico dos preços de electricidade, a Iniciativa Liberal tem uma certeza: “Ele permite preços mais baixos no momento mas vai originar preços mais altos que na Europa no futuro, e os beneficiários dos preços baixos são os que vão depois pagar os preços altos”. Esta é a convicção de João Cotrim Figueiredo, que acusa o PS de ser o partido da “propaganda” e da “prepotência socialista”.

Por seu lado, o Chega anunciou, ao princípio da tarde, que vai propor a audição no parlamento da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), da Endesa e do secretário de Estado da Energia, e acusou o primeiro-ministro de “ameaçar” uma empresa privada. Este requerimento terá ainda de ser votado em comissão e, se for aprovado, a audição destas entidades deverá acontecer quando os deputados voltarem ao parlamento.

Em conferência de imprensa na sede do partido, em Lisboa, André Ventura afirmou que quando o mecanismo ibérico foi anunciado, foi dito que “seria uma grande vantagem para os consumidores portugueses, e de facto, o mecanismo ibérico permitiu durante algum tempo um certo travão no crescimento dos preços, só que este mecanismo ibérico tem um custo e esse custo será repercutido para o futuro”.

Sobre o despacho do primeiro-ministro, Ventura considerou que constitui “uma ameaça” a uma empresa privada e uma “atitude abusiva”. “Esta atitude venezuelana de António Costa e do Governo socialista mostra bem o tipo de Governo com que estamos a lidar”, criticou.

Na ótica do Chega, a “única solução” para contornar o aumento de preços da energia passa pela diminuição do IVA para a taxa mínima, de 6%. André Ventura pediu também a intervenção do Presidente da República, considerando que Marcelo Rebelo de Sousa “não pode deixar passar em claro esta situação”

BE aplaude e quer mais

Já o Bloco de Esquerda aplaude o despacho do primeiro-ministro e quer mais vigilância e actuação do Governo em relação aos mecanismos de formação dos preços no sector da energia e da grande distribuição, para evitar abusos à boleia da inflação.

Para o líder parlamentar do BE, o que o Governo decidiu fazer com a Endesa foi “olhar para a formação dos preços de electricidade da empresa e garantir que não há abusos”, o que entende ser totalmente legítimo.

“O Governo devia ser coerente e fazer o mesmo a outras empresas que estão a usar a inflação para abusar dos preços e isso é visível nos lucros que apresentam”, afirmou Pedro Filipe Soares ao PÚBLICO, sustentando que tal está a acontecer em particular nos sectores dos combustíveis e da grande distribuição, referindo-se em particular à Galp, à Jerónimo Martins e ao Continente (empresa do grupo Sonae, de que o PÚBLICO faz parte).

Em relação à Galp, o deputado lembra que a empresa, que “tem 80% do mercado de produtos refinados em Portugal, triplicou as margens (de lucro) das refinações”. Também na grande distribuição, Pedro Filipe Soares lembra que devia ser vigiado o mecanismo de formação de preços para evitar que as grandes empresas não abusem do “benefício de oportunidade” da inflação.

Questionado sobre se essa vigilância não deveria ser feita pelas entidades reguladoras, e não directamente pelo Governo, o líder parlamentar do BE entende que cabe aos reguladores identificar os abusos, mas é o Governo que tem legitimidade para actuar, “com ou sem intervenção dos reguladores”. Como aliás diz ter acontecido em relação ao mecanismo ibérico para reduzir os preços da electricidade: “O Governo tomou a decisão e limitou o preço sem ouvir o regulador”. Aliás, na sua opinião, devia ir mais longe e taxar os lucros considerados abusivos.

Também o PCP aplaude a iniciativa do Governo. “O PCP considera inaceitável a existência de qualquer aumento da electricidade, pelo que o Governo deve tomar todas as medidas que o impeçam”, escreve o partido em resposta às perguntas do PÚBLICO.

Notícia actualizada às 17h23 com a reacção do Chega

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