Exportação de cereais ucranianos: uma “operação de risco” que não é “solução para a guerra”

A saída do primeiro cargueiro com cereais ucranianos é um exemplo de que é possível fazer acordos quando há “vontade política”, defende o porta-voz do gabinete humanitário da ONU. Mas a ajuda humanitária continua a não ser suficiente para chegar à população em territórios ocupados por Moscovo.

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“Estamos a operar numa zona de guerra, então a preocupação com a segurança está sempre em cima da mesa", diz o porta-voz do gabinete humanitário da ONU EPA/SERGEY KOZLOV

A retoma das exportações de cereais ucranianos representa “uma operação de risco” devido aos combates ainda em curso na Ucrânia, inclusive perto do porto de Odessa, de onde saiu, esta segunda-feira, 1 de Agosto, o primeiro cargueiro, afirmou o porta-voz do gabinete humanitário das Nações Unidas na Ucrânia. “Nós estamos a operar numa zona de guerra, então a preocupação com a segurança está sempre em cima da mesa e é algo importante. Por isso é que também foi um processo tão demorado e difícil de acontecer”, relatou Saviano Abreu.

A Rússia e a Ucrânia assinaram acordos separados com a Turquia e as Nações Unidas, abrindo caminho para que Kiev exportasse 22 milhões de toneladas de cereais e outros produtos agrícolas que ficaram retidos nos portos do Mar Negro. O primeiro carregamento de cereais ucranianos deixou o porto de Odessa na manhã desta segunda-feira.

Uma das preocupações é a presença de minas marítimas ao redor do porto, colocadas pelas forças ucranianas como forma de defesa dos ataques russos, sendo que a solução foi estabelecer um corredor para que toda a travessia seja realizada em segurança.

“A opção de tirar todas as minas era uma tarefa quase impossível de acontecer num período curto de tempo. Toda a travessia tem um corredor, foi estabelecida e vai ser monitorizada pelos nossos colegas que estão em Istambul, para garantir que decorra de forma segura”, salientou Saviano Abreu.

Para o porta-voz do gabinete humanitário da ONU, este processo representa “uma operação de risco”, mas a organização “acredita e espera” que as partes envolvidas respeitem os acordos para permitir a saída de mais navios. “[Este acordo] não é uma solução para a guerra, nem está perto disso, pois a guerra continua”, afirmou.

Segundo Saviano Abreu, a ONU e os países envolvidos trabalham para que os navios com cereais ucranianos saiam dos portos, “se possível, a cada dia”, e as exportações da Ucrânia “atinjam um patamar aceitável”.

“A ideia é que não seja só um navio, mas que todo este processo permita ter vários navios, se possível a cada dia, a saírem do porto, para que as exportações cheguem a um patamar aceitável”, acrescentou.

O porta-voz do gabinete humanitário relatou que a saída do primeiro carregamento de cereais ucranianos esta segunda-feira foi “um momento muito especial”.

“Fiz algumas imagens e vídeos para alguns colegas que estão em Istambul, junto dos países envolvidos. Foi um momento de muita emoção. Estavam desde sexta-feira praticamente sem dormir, sentados a fazer os últimos ajustes para que isto pudesse acontecer e houve um aplauso colectivo”, partilhou.

Saviano Abreu realçou que “o mundo” e “a Ucrânia” precisam que as exportações decorram, mas não adiantou com que frequência vão sair os navios nos próximos dias: “Ainda é cedo para adiantar isso. O processo de negociação continua”.

A saída do primeiro cargueiro com 26 mil toneladas de milho é um exemplo de que é possível fazer acordos quando há “vontade política”, acrescentou.

Mais de cinco meses depois do início da invasão russa da Ucrânia, a ajuda humanitária continua a não “cruzar as frentes de batalha” para chegar à população em territórios ocupados por Moscovo. “Desde o começo da guerra, não conseguimos cruzar ainda as frentes de batalha e levar suprimentos e ajuda humanitária” para a população que está na área ocupada pelas tropas russas.

“Mais de 11 milhões de pessoas receberam a ajuda humanitária e ainda não é suficiente”, frisou Saviano Abreu, que concluiu: “Precisamos que [o acordo para exportações de cereais] vá mais adiante e que, por exemplo, a ajuda humanitária na Ucrânia possa ser também oferecida às pessoas”.

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