O Razoni partiu de Odessa com “milho e esperança” a bordo

Saída do primeiro navio com milho ucraniano foi celebrada pelos quatro signatários do acordo sobre cereais. António Guterres anunciou o fretamento de um cargueiro pelo Programa Alimentar Mundial, mas ainda há detalhes logísticos por limar.

O cargueiro estava retido em Odessa há vários meses
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O cargueiro estava retido em Odessa há vários meses STR/EPA
A bordo vão 27 mil toneladas de milho
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A bordo vão 27 mil toneladas de milho TURKISH DEFENCE MINISTRY HANDOUT/EPA
O navio deve chegar a Istambul na terça-feira e seguirá para Trípoli depois de inspeccionado
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O navio deve chegar a Istambul na terça-feira e seguirá para Trípoli depois de inspeccionado Serhii Smolientsev/Reuters

Com os tradicionais apitos longos da despedida, o cargueiro Razoni zarpou na manhã de segunda-feira do porto de Odessa com quase 27 mil toneladas de milho a bordo. O destino é Trípoli, no Líbano, onde o navio com pavilhão da Serra Leoa deverá chegar no fim desta semana, depois de atravessar todo o mar Negro, o estreito do Bósforo e o Mediterrâneo.

É o primeiro navio que sai de um porto ucraniano ao abrigo do acordo entre Ucrânia, Rússia, Turquia e Nações Unidas para a exportação de cereais. No país invadido estão retidas qualquer coisa como 20 milhões de toneladas de trigo, centeio, cevada, aveia e outros cereais essenciais para aplacar a crise alimentar mundial. A colheita deste ano decorre há algumas semanas.

O Razoni é também o primeiro navio a sair de Odessa desde que a guerra começou, no fim de Fevereiro. Durante quase seis meses, a tripulação retida a bordo testemunhou o conflito à distância – ou nem tanto. Ainda na semana passada, poucas horas depois de assinado o acordo entre as quatro partes, a Rússia bombardeou precisamente um alvo naquele porto. “É um sentimento indescritível”, afirmou à Reuters um engenheiro naval do cargueiro, o sírio Abdullah Jendi, para quem o anúncio da partida provocou “a melhor sensação de 2022”.

Mas até chegar ao Líbano o caminho do Razoni ainda é longo. Primeiro há que seguir as coordenadas divulgadas pelas autoridades ucranianas para evitar as minas navais colocadas no mar Negro. Depois haverá uma inspecção à carga em Istambul, promovida pelo centro de coordenação que junta as quatro partes. O navio irá então para outro porto turco, de onde finalmente partirá para Trípoli, percorrendo o mar Egeu ao largo da Turquia, da Grécia e de Chipre.

“Para ser sincero, estou assustado com a existência de minas navais”, admitiu Jendi, acrescentando que é a única coisa que o preocupa na viagem que lhe permitirá reaver a família mais de um ano depois de partir para o mar. O engenheiro relatou alguns pormenores dos dias difíceis que passou na cidade portuária. “No início da guerra, o navio não recebia comida e água porque havia um recolher obrigatório. Quando as restrições foram levantadas, conseguimos ir até à cidade comprar o que precisávamos e arejar a cabeça”, descreveu. “Não podíamos sequer acender as luzes à noite, não podíamos sair para nossa segurança.”

Barcos vazios por tratar

A partida do Razoni foi saudada por todas as partes envolvidas no acordo e ainda por França, Alemanha e Estados Unidos. Os preços do milho, do trigo, da aveia e dos derivados de soja registaram quedas nos principais mercados.

“Este navio está carregado com dois bens escassos: milho e esperança”, disse o secretário-geral da ONU, classificando a saída do navio como “um ponto de partida importante” para garantir “estabilidade aos mercados alimentares globais”. António Guterres afirmou que “as pessoas à beira da fome precisam que o acordo funcione para poderem sobreviver” e mostrou-se esperançoso de que que este seja “o primeiro de muitos navios comerciais” a sair da Ucrânia.

No fim-de-semana, fontes ucranianas garantiram que 17 navios com quase 600 mil toneladas de carga já estão prontos para partir. Além de Odessa, também os portos de Chornomorsk e Iuzhni vão ser usados para o escoamento de cereais. Guterres acrescentou que o Programa Alimentar Mundial, da ONU, “está a planear comprar, carregar e transportar, para já, 30 mil toneladas métricas de trigo da Ucrânia num navio fretado”.

Porém, para que cargueiros vazios possam ir até à Ucrânia recolher cereais ainda é preciso tratar de vários detalhes logísticos, disse um responsável da Lloyd’s, que representa os seguradores da operação. As companhias de navegação e as seguradoras querem garantias de que o caminho até aos portos não tem minas e que nem os navios nem as tripulações serão alvo de ataques durante as viagens. “É preciso paciência porque este ainda é um conflito a decorrer”, afirmou Neil Roberts.

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