Pluris Investments, de Mário Ferreira, desiste dos 40 milhões do Banco de Fomento

Mário Ferreira pediu o “cancelamento” do apoio aprovado há um mês, em defesa do seu “bom nome”. Afirma que vai vender outros activos para financiar sozinho um aumento de capital.

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Mário Ferreira, cujo principal negócio é o turismo de cruzeiros, numa fotografia de arquivo. Fernando Veludo/NFACTOS

A Pluris Investments, do empresário Mário Ferreira, desistiu do financiamento do Banco Português de Fomento (BPF), que tinha aprovado 40 milhões para a capitalização de uma das empresas de barcos turísticos detidas por aquele gestor do Norte.

Em comunicado citado pela Lusa, a Pluris afirma que “prescinde do empréstimo de 40 milhões de euros concedidos pelo Banco de Fomento” e, em vez disso, vai avançar na próxima semana com um aumento de capital a ser pago com fundos próprios. E censura as “vergonhosas acções” de Ana Gomes e Catarina Martins, duas das vozes críticas dos últimos tempos.

“O grupo concretizará o necessário aumento de capital na empresa Mystic Invest, mas decidiu, para o efeito, vender alguns dos activos detidos pela Pluris Investments, realizando assim o necessário aumento de capital já na próxima semana”, lê-se no comunicado assinado por Mário Ferreira e citado pela Lusa. O PÚBLICO já tentou contactar o empresário, mas até agora, sem sucesso.

A líder do Bloco de Esquerda já reagiu entretanto à novidade, através de mensagens publicadas no Twitter. “Se não precisava, porque é que pediu?”

Mais dinheiro na segunda fase

Esta desistência significa uma enorme redução dos apoios à capitalização de empresas estratégicas sem a co-participação de privados. Sem a Pluris, os 76,7 milhões aprovados a 30 de Junho (data limite para a aprovação de candidaturas ao abrigo da chamada “Janela B”), que eram o montante global dos apoios nesta primeira fase, ficam reduzidos a 36,7 milhões de euros, já que a candidatura da Pluris representava 52% do valor aprovado naquela janela.

Como as operações aprovadas pelo banco ainda não estavam contratualizadas, esta desistência não terá qualquer impacto no programa em si. A consequência óbvia é que passa a haver mais 40 milhões na “Janela A” (que exige co-investidor privado com um mínimo de 30% do esforço de capitalização). A dotação global do programa é de 400 milhões, dos quais 363,3 milhões continuam disponíveis.

Trata-se de um recuo surpreendente, mesmo tendo em conta toda a celeuma que se levantou quando se soube que a empresa de barcos de Mário Ferreira seria a principal beneficiária do apoio à capitalização sem exigência de co-investimento privado.

Os 40 milhões de euros destinados aos barcos de Mário Ferreira ultrapassavam em quatro vezes os apoios mais avultados da restante lista, que agora passam a ser os 9,99 milhões para o MD Group (moldes) e a Viagens Abreu (turismo).

O banco – que aguarda pela confirmação de uma nova liderança para recomeçar a sua ainda curta história de vida longe das polémicas e dos problemas sentidos nos primeiros dois anos – tinha dado luz verde a 12 empresas, de entre 55 candidaturas que havia recebido (a maioria das quais só terá decisão na fase seguinte).

Todas elas tiveram de ser consideradas de “interesse estratégico nacional” para poderem ser aprovadas. Porém, um mês depois, o maior beneficiário desse lote, a holding Pluris Investments (que é dona de outros negócios de Mário Ferreira, incluindo a Media Capital, proprietária da TVI) abdica dessa classificação, dizendo que não quer o dinheiro do banco (que receberá 1550 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência, ou PRR).

"Salvaguarda do bom nome"

No comunicado citado pela Lusa, a Pluris diz que age desta forma “em nome da verdade dos factos e na salvaguarda do seu bom nome e do seu accionista principal, Mário Ferreira, e de todas as entidades envolvidas”. Depois, acusa Ana Gomes, antiga diplomata e deputada europeia do PS, e a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, de cometerem “vergonhosas acções” em relação à candidatura da Pluris às verbas do PRR.

Ana Gomes, com quem Mário Ferreira está em litígio judicial a propósito de outros casos, foi uma das vozes críticas que se fizeram ouvir desde que a 30 de Junho se divulgou a lista das candidaturas aprovadas. Foi também uma das pessoas que invocaram a presença de Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa e ex-consultor do Governo, na administração da Pluris Investments – um facto que foi usado por outros representantes políticos para sugerir a ideia de um eventual favorecimento dos interesses empresariais de Mário Ferreira junto daquele banco promocional criado pelo anterior Governo PS também liderado por António Costa.

Já Catarina Martins foi uma das deputadas que levaram este tema ao Parlamento. No recente debate parlamentar sobre o Estado da Nação, Martins dirigiu-se mesmo ao primeiro-ministro questionando-o sobre o papel que o próprio teve no processo, lembrando ainda que há investigações em curso sobre outros negócios de Mário Ferreira.

“Foi dada prioridade a uma empresa cujo empresário Mário Ferreira está a ser investigado a nível nacional e europeu por branqueamento de capitais e por fuga ao fisco. Foi dada prioridade a uma empresa que é administrada por um ex-assessor do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado”, afirmou a líder do BE, perguntando em seguida: “Que envolvimento teve o senhor primeiro-ministro nesta decisão?”

Costa respondeu com frieza e desagrado: “Sobre a pergunta insultuosa que me dirigiu, a minha intervenção é zero. Foi zero, como muito bem a senhora deputada sabe.”

Doze dias depois, a Pluris anuncia que a sua candidatura morre aqui. “Apesar de ter formalizado a candidatura ao instrumento de recapitalização disponibilizado pelo Estado português, em 24 de Fevereiro de 2022, e de a mesma ter sido aprovada pelo Banco Português de Fomento, no passado dia 30 de Junho de 2022, [a Pluris] recusa qualquer cêntimo do PRR e solicitou hoje o cancelamento do pedido de empréstimo ao Banco de Fomento.”

O apoio do banco seria sobre a forma de obrigações convertíveis, o que na prática se traduz num empréstimo com a entrega de títulos de dívida que poderiam ser convertidos em capital social em determinadas condições. Na altura da aprovação, Mário Ferreira recusou a ideia de que estava a ser ajudado pelo Estado, alegando, em declarações ao PÚBLICO, que as condições de capitalização tinham custos de financiamento mais elevados do que na banca comercial.

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