No Litoral Alentejano, o holandês Ton van der Lee junta aspirantes a realizadores de todo o mundo

O público é o local, as gentes das vilas e aldeias próximas, alguns serão protagonistas desses documentários, outros serão só curiosos, revela o escritor e documentarista que vive na região há 11 anos.

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O realizador holandês Ton van der Lee (à esquerda) vive no Alentejo há vários anos DR
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A antiga escola de 1.º ciclo da aldeia acolhe várias actividades culturais DR

A porta da escola do Monte da Estrada, no concelho de Odemira, está aberta e ouvem-se vozes no pátio do edifício centenário. Não são crianças, mas homens e mulheres que ali estão a ter aulas. Ao longo de duas semanas, a Portugal Filmschool, criada pelo holandês Ton van der Lee há dois anos, acolhe oito alunos que vão aprender a produzir, a usar uma câmara, gravar o som, fazer a montagem e a realizar. O objectivo final é fazer um documentário com cerca de cinco a dez minutos que será mostrado no último dia.

O público é o local, as gentes das vilas e aldeias próximas, alguns serão protagonistas desses documentários, outros serão só curiosos, revela o realizador Ton van der Lee, no fresco pátio da escola, durante o intervalo do primeiro dia de aulas, no início da semana passada. Os alunos espalham-se pelo espaço, há quem aproveite para conversar deitados em camas de rede. O ex-jornalista conta pelos dedos as diferentes nacionalidades dos alunos que vêm da Europa e de África.

A ideia, explica, é dar aos aspirantes a realizadores a oportunidade de fazerem um documentário curto, numa formação de duas semanas, em que, no final desta semana, serão uma “equipa de filmagens de apenas uma pessoa”, já que vão aprender todas as tarefas necessárias para fazer um filme — da produção à realização. “Todos têm o seu dream project [projecto de sonho]”, diz num português correcto.

E o também escritor — com vários livros publicados não só nos Países Baixos, mas também na Alemanha e no Reino Unido, entre eles uma trilogia sobre África, continente onde viveu 12 anos —, dá o exemplo de uma das alunas da edição deste ano. Trata-se de uma engenheira dinamarquesa, cujo trabalho é fazer a transição para a sustentabilidade e, no documentário que quer realizar, pretende mostrar isso mesmo. Como os filmes são feitos com protagonistas locais, Ton van der Lee escolheu um israelita que vive na região e que desenvolve fertilizantes naturais.

As turmas são pequenas porque se quer dar toda a atenção a quem chega e este é um curso intensivo, justifica. Depois da inscrição, é feita uma entrevista à distância, para avaliar e seleccionar os participantes. É então que Ton van der Lee, de 66 anos, sabe que temas é que cada um quer trabalhar e começa a fazer pesquisa na região para seleccionar os protagonistas de cada documentário. Por exemplo, Alexandre Coutinho participou na primeira edição do Portugal Filmschool, conta o jornalista e proprietário do Figueirinha Ecoturismo, um turismo rural a poucos quilómetros da escola. O documentário girava em torno da sua mudança de vida, como é que um jornalista deixa a capital e continua a trabalhar à distância, revela.

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Na primeira edição, Alexandre Coutinho foi um dos protagonistas de um dos documentários DR

Documentar cultura oral

Do lado de dentro dos muros da escola bem caiada estão enormes tendas onde os alunos dormem, as refeições podem ser feitas ali ou no café da aldeia. Durante duas semanas, as aulas são sobretudo práticas e nos primeiros dias vão logo para o terreno, em equipas de três, para filmar, recolher som e imagem, fazer as entrevistas para montar cada um dos seus documentários. No final, nesta sexta-feira, os projectos são apresentados numa sessão aberta à comunidade.

No mesmo ano em que fundou o curso de Verão, Ton van der Lee criou também o Alentejo Documentary Film Festival — que este ano decorre de 16 a 21 de Agosto, no espaço da escola, ao ar livre. A ideia é exibir dois documentários por dia, sobre temas que preocupam os locais, nacionais e estrangeiros. Este ano, os temas giram em torno do clima, energia verde, permacultura, espiritualidade, educação alternativa e redes sociais, informa. “A escola deve ser lugar para ajudar a população, social e culturalmente”, afirma.

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O realizador viveu 12 anos em África e quando regressou aos Países Baixos não se voltou a habituar ao clima, confessa ao PÚBLICO. Entretanto conheceu a sua futura mulher, uma holandesa que aprendeu português e dava aulas do idioma, e o local de consenso para viverem — entre o calor africano e o frio do Norte da Europa — foi o litoral alentejano, onde estão há 11 anos.

Ton van der Lee continua a escrever e a fazer documentários, diz. Agora está a fazer um sobre a arquitectura da zona, onde se usa a técnica da taipa. Outro projecto que o entusiasma e já começou há uns anos é sobre a tradição oral. Chama-se Lembro-me e consiste em entrevistas com “idosos, a falar sobre a vida deles, de antigamente”.

Para o documentarista é importante que essa oralidade não se perca, por isso, grava-a e não se cinge aos velhos das aldeias pois quer ouvir “gente diferente, operários, latifundiários, políticos... Tudo gente do Baixo Alentejo”, enumera. “Estas histórias estão quase a desaparecer e ninguém faz nada”, lamenta.

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