Transformação digital na educação

A educação serve propósitos de inclusão, mais ainda quando as tecnologias digitais exigem recursos significativos, cuja ausência aumenta o fosso social entre as pessoas.

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"A transformação digital na educação implica uma mudança significativa na conceção da educação" Paulo Pimenta/Arquivo

Como outras organizações internacionais, a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) tem discutido a questão da transformação digital na educação, numa perspetiva muito ampla, intersetando várias questões da revolução digital.

Quando este debate prioriza a educação, significa que esta é a dimensão operante de todas as mudanças, já que envolve conhecimento, que é a base da aprendizagem ao longo da vida, no âmbito do Relatório Delors, patrocinado pela UNESCO.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma transformação em curso, contribuindo de sobremaneira para o modo como são imaginados os futuros da educação e como é repensada a sociedade, reconhecendo-se que foi muito acelerada pela pandemia de covid-19, aglutinando perspetivas interdisciplinares traduzidas pelas ideologias dominantes do novo paradigma sociotécnico: digitalização, “dataficação,” conetividade.

Uma segunda ideia da transformação digital na educação diz respeito à declaração de que ninguém pode ser deixado para trás, embora se verifiquem, a nível global, muitas situações injustas, reforçando-se, assim, os pilares dos objetivos do desenvolvimento sustentável formulados pela ONU.

Ao assumir-se como um denominador comum social, a educação serve propósitos de inclusão, mais ainda quando as tecnologias digitais exigem recursos significativos, cuja ausência aumenta o fosso social entre as pessoas.

Acredito, com a mesma convicção que John Dewey enunciou o seu Credo Pedagógico, em 1897, e no seguimento do que tem sido proposto nos debates da OEI, que a transformação digital na educação apenas terá impacto significativo se for um processo profundamente articulado com as ideias de inclusão, justiça, equidade, cidadania.

As políticas públicas de educação dos países da OEI, acompanhadas de projetos de intervenção pedagógica nos ensinos superior e não superior, têm insistido na urgência de uma mudança na educação que seja catalisadora de mudanças sociais, equacionando a formação em competências digitais como uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

Além disso, cada sistema educativo está a dar passos marcantes no apetrechamento das escolas com os recursos necessários, incluindo a conetividade, bem como na capacitação digital dos docentes, cuja adesão às tecnologias foi um dos aspetos mais mencionados no período pandémico.

É objetivo da OEI, neste caso, contribuir para a proposta de melhorias na educação através de estudos baseados na realidade dos sistemas educativos, não só evidenciando problemas e potencialidades, mas também apontando medidas de sucesso.

Por último, a transformação digital na educação implica uma mudança significativa na conceção da educação, sobretudo se a tecnologia perspetivada como questão, na análise de Martin Heidegger, for considerada, simultaneamente, meio e finalidade, se bem que a educação tenha um propósito pedagógico bem definido em termos de respostas sociais e individuais, apesar de tão díspares ao longo dos tempos.

É indubitável que a educação se efetiva como processo, através de propostas curriculares em torno do conhecimento e dos seus modos de construção pedagógica, num contexto de muitas possibilidades, não havendo um único caminho a percorrer.

É, decerto, esta diversidade que permite diferentes análises sobre a transformação digital enquanto processo que conduz quer à conceção de uma educação bem diferente, cuja amplitude precisa de ser debatida pelo lado da melhoria das aprendizagens (tal como propõe a OCDE através de um novo referencial baseado na bússola para a aprendizagem, inserido na Agenda 2030), quer de uma nova escola, numa ligação constante ao conhecimento do mundo, quer, ainda, de uma rutura pedagógica.

Neste sentido, o modelo pedagógico pensado nas últimas décadas está em acelerada transformação, através do poder das tecnologias digitais na construção de novos modos de ensinar e de aprender.

Contudo, por mais perspetivas que sejam colocadas em confronto – ligadas, por exemplo, à personalização da aprendizagem, ao currículo das coisas (em que informação e conhecimento são disponibilizados em níveis e formatos impensáveis) e à pedagogia focada na inteligência artificial e no pensamento computacional –, falar-se-á, necessária e indiscutivelmente, de modelos híbridos, de metodologias que envolvem participação, colaboração e inovação, de outros modos de organização da escola, assim como de outros modos de trabalho dos professores, sem perder de vista que os docentes continuam a ser um dos elementos fundamentais do ato de educar.

Mas isso exige uma mudança radical na forma de estudar dos alunos, derrubando barreiras pedagógicos que a avaliação sumativa mantém de pé.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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