Soldados birmaneses contam como os mandaram “torturar, pilhar e matar inocentes”

Emissora britânica BBC junta testemunhos de seis militares que desertaram. Um deles recebeu ordens para matar todos os civis escondidos num mosteiro. “O mais triste foi que tivemos de matar pessoas idosas e uma mulher”.

Foto
As manifestações contra a Junta militar na Birmânia têm sido repelidas com grande violência EPA/STRINGER

Seis soldados que desertaram contaram à emissora britânica BBC como receberam ordens para pilhar, torturar e matar civis na Birmânia, onde os militares tentam manter-se no poder depois de terem assumido o poder num golpe em 2021, afastando o governo eleito de Aung San Suu Kyi.

Um dos soldados disse que pensou que tinha sido recrutado para o exército como guarda, mas rapidamente se encontrou no meio de um batalhão deslocado para o centro do país. Uma das operações decorreu num mosteiro, em Maio de 2022, onde se tinham juntado civis para se esconder. A ordem que o seu batalhão recebeu foi para “juntar os homens todos e matá-los a tiro”, relata. “O mais triste foi que tivemos de matar pessoas mais velhas e uma mulher.”

Noutra descrição, um antigo coronel conta como a sua unidade foi enviada para uma aldeia com ordens de “disparar contra tudo o que se visse” e “incendiar todas as casas grandes e decentes na aldeia”.

Foi isso que fizeram. A sua unidade matou, e enterrou, cinco homens, contou. Andaram pela aldeia a incendiar casas, ele próprio incendiou quatro. Todos os soldados que falaram com a BBC relataram ter recebido ordens para queimar casas, sugerindo que é uma táctica para esmagar qualquer tipo de resistência às autoridades militares.

Outros dos soldados que estiveram naquela aldeia (foi recrutado na comunidade sem treino militar, um grupo conhecido localmente como “soldados contratados”) lembra-se de terem visto uma adolescente, por trás de umas grades de ferro, numa casa que se preparavam para incendiar. Perguntou ao capitão se deviam mesmo incendiar a casa. Sim, “disse para mataram todas as pessoas que virmos”.

A casa foi incendiada. “Não consigo esquecer os gritos, ainda os ouço nos meus ouvidos e lembro no meu coração”, declarou. O coronel na mesma aldeia também se recorda: “Ouvimo-la durante 15 minutos enquanto a casa ardia”.

A BBC encontrou a família da adolescente, que tinha problemas de saúde mental e ficara em casa enquanto os pais estavam a trabalhar, contou um familiar. “Ela tentou fugir, mas eles impediram-na e deixaram-na morrer queimada”.

O soldado que se tinha juntado ao exército por dinheiro falou também de outras atrocidades que viu ser cometidas. Falou, por exemplo, de um grupo de jovens que a sua unidade deteve, e que lhes foram entregues com a mensagem: “façam o que quiserem”. Os soldados violaram repetidamente as raparigas. “Quando apanhavam mulheres jovens, violavam-nas e diziam que era porque elas apoiavam as forças da oposição.”

A BBC localizou duas das raparigas, que estavam de visita à aldeia e se depararam com os soldados quando tentavam fugir do ataque. Contaram que foram presas numa escola local durante três noites, e violadas todas as noites por homens alcoolizados, que ameaçavam matá-las. Estavam demasiado assustadas para olhar bem para eles, relataram, mas lembram-se que alguns tinham uniformes militares e outros não.

Os soldados estão agora sob protecção da oposição. Cerca de 10 mil pessoas desertaram quer do exército quer da polícia, segundo um grupo formado por antigos militares e polícias.

Dizendo lamentar o que fez, um dos soldados disse à BBC que quis falar “para que toda a gente saiba e possa evitar cair no mesmo destino”.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários