Na Europa, só a eficiência energética nos levará através de futuros invernos

Em breve, a União Europeia irá alargar a conceção ecológica – desenhar produtos com o menor impacte ambiental possível ao longo de todo o seu ciclo de vida – a quase todos os produtos no mercado. A ambição é bem-vinda, mas não atingirá todo o seu potencial se não for devidamente financiada.

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FERNANDO VELUDO/NFACTOS

O inverno está a chegar e todos os planos de emergência são necessários para manter a Europa em funcionamento. Porém, os líderes da União Europeia (UE) devem ter em conta as nossas necessidades a médio e longo prazo: independência energética, faturas acessíveis e o cumprimento dos nossos compromissos climáticos. Só a poupança de energia pode estar no centro destes planos. Temos as ferramentas: conceção ecológica e rotulagem energética, a eliminação gradual das caldeiras a gás, a implantação de redes inteligentes, e a renovação de edifícios. Agora, precisamos de financiamento em grande escala para as tornar realidade.

Com um corte plausível do gás russo no horizonte, os líderes europeus estão a correr para conceber planos para sobrevivermos ao frio.

Amanhã, quarta-feira, 20 de julho, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentará a estratégia da UE para resistir à crise energética deste inverno. Esta incluirá provavelmente uma atualização dos planos de contingência nacionais, a diversificação do abastecimento e talvez compras conjuntas de gás. Mas, acima de tudo, Bruxelas irá provavelmente anunciar um plano para impulsionar a poupança e a eficiência energética.

Tal não é uma surpresa. A redução do nosso consumo de energia é a forma mais limpa e mais barata de nos desabituarmos do petróleo e do gás russos (ou de qualquer outro país) – e de cumprirmos os compromissos climáticos da UE para 2030. A energia mais verde e mais barata é a que não é produzida. Os líderes europeus sabem-no, e a poupança de energia está finalmente a receber a importância que ela merece. De facto, na semana passada, a comissão da indústria do Parlamento Europeu apoiou a exigência aos estados-membros de reduzir o seu consumo de energia em 14,5% até 2030, em comparação com os níveis de 2020, como parte da nova Diretiva de Eficiência Energética.

Mas palavras e objetivos ambiciosos, só por si, não irão reduzir as nossas contas de energia. Os programas de poupança de energia devem ser devidamente financiados e trazidos para o topo da lista de prioridades. A experiência mostra que as poupanças de energia são extremamente eficazes... mas muitas vezes ficam aquém do seu potencial devido a uma falta de vontade política.

A boa notícia é que, nos últimos 30 anos, o consumo de energia na Europa tem permanecido bastante estável. A má notícia é que precisamos de melhor do que estável.

Conceção ecológica para reduzir as nossas contas de energia

A Europa tem os instrumentos para cortar as contas de energia das famílias a longo prazo. A conceção ecológica, isto é, o desenhar produtos a colocar no mercado com o menor impacte ambiental possível ao longo de todo o seu ciclo de vida, é talvez o mais poderoso e está por detrás de uma parte substancial da poupança de energia. Dezenas de produtos eletrónicos e eletrodomésticos têm de cumprir requisitos de eficiência energética. Se consumirem demasiada energia, não podem ser vendidos. Assim, o rótulo energético A-G atrai os consumidores para as opções mais eficientes entre os produtos existentes no mercado. A fasquia é elevada de poucos em poucos anos, estimulando a inovação e criando uma corrida à excelência.

As políticas de conceção ecológica estão no bom caminho para poupar cerca de 230 milhões de toneladas de equivalente de petróleo até 2030 – cerca de um terço de todas as poupanças de emissões de dióxido de carbono de que a UE necessita para cumprir os seus compromissos climáticos para 2030. Os efeitos serão sentidos também nas famílias. Graças à conceção ecológica, todas as famílias europeias podem esperar poupar 285 euros nas suas contas de energia todos os anos. Com a recente subida de preços, é provável que essas poupanças sejam muito mais elevadas.

Esta política aparentemente simples é uma das ações mais bem-sucedidas que a UE alguma vez tomou para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

Contudo, o impacto poderia ter sido ainda maior se tivesse sido dada a prioridade política que a conceção ecológica merece. Devido ao fraco financiamento, as atualizações da conceção ecológica de dezenas de produtos têm estado paradas durante anos. As nossas estimativas mostram que os atrasos irão custar aos consumidores 40 mil milhões de euros até 2030.

O desafio está preparado para crescer muito mais. Em breve, a UE irá alargar a conceção ecológica a praticamente todos os produtos no mercado. A ambição é bem-vinda, mas não atingirá todo o seu potencial, a menos que seja devidamente financiada.

Um plano abrangente para um problema complexo

Evidentemente, a conceção ecológica por si só não tornará a UE independente do gás russo. Há muito mais que os governos podem fazer para poupar energia.

A eliminação progressiva da venda de caldeiras de combustíveis fósseis seria um salto ambicioso, mas necessário para a independência energética. A tecnologia existe: as bombas de calor e os sistemas de aquecimento urbano são incrivelmente eficientes e podem funcionar com eletricidade de fontes renováveis.

Proibir as caldeiras a combustíveis fósseis a partir de 2025 pouparia o equivalente a 21% das importações de gás russo da UE até 2030, tal como mostra um novo estudo da iniciativa Coolproducts. Alguns países estão a liderar o caminho: a Alemanha tem planos para uma implementação maciça de bombas de calor, e os Países Baixos estão a proibir o aquecimento fóssil a partir de 2026.

Para garantir que ninguém fique para trás, os poucos países que ainda concedem subsídios a caldeiras a gás devem pôr fim imediatamente a esses programas. Em vez disso, os governos deverão ajudar as famílias a mudar para bombas de calor alimentadas por energias renováveis.

As redes elétricas inteligentes e a flexibilidade do lado da procura são as joias da coroa de poupança energética. Devem ser implantadas em todo o lado para garantir que esprememos cada watt. Em termos simples, os nossos carros elétricos e eletrodomésticos devem estar a retirar energia da rede em momentos de baixa procura (geralmente à noite) ou durante picos de produção de eletricidade renovável (quando o sol brilha ou o vento sopra). Tal tornaria as nossas necessidades energéticas globais muito mais constantes e sincronizadas com a produção de energia renovável, reduzindo a necessidade de combustíveis fósseis.

Todas estas ações devem ser associadas a programas de renovação de edifícios e à implantação de fontes de energia renováveis, tais como o vento e a energia solar.

O esforço necessário pode ser elevado, mas com uma ação decisiva, a UE pode desabituar-se do gás russo e de todos os combustíveis fósseis. Este inverno exige um plano de emergência, mas os políticos devem manter à vista as necessidades a longo prazo. Temos as ferramentas de que precisamos: conceção ecológica, fim de caldeiras de combustíveis fósseis, redes inteligentes e renovação de edifícios. Serão a nossa única forma de construir um modelo energético que seja ambientalmente sustentável e independente dos oligarcas russos.

Em tempos de emergência, precisamos de uma previsão ambiciosa. Em tempos de falta de gás, precisamos de poupança energética e bombas de calor. E dos fundos para as tornar realidade.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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