Alimentação rica em gordura pode afectar a fertilidade masculina

Impacto negativo do consumo excessivo de gorduras pode ainda ser herdado por duas gerações, aponta um estudo liderado por uma equipa portuguesa.

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O consumo de gordura pode ter impacto na fertilidade masculina. Um estudo desenvolvido por cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto conclui que a alimentação tem consequências para a fertilidade dos homens através da memória metabólica dos testículos, que pode ser transmitida e herdada por duas gerações.

Divulgados esta terça-feira, os resultados já tinham sido publicados num artigo na revista científica Molecular Nutrition & Food Research, no qual os investigadores descreveram os biomarcadores que permitem identificar uma “memória metabólica” presente nos testículos. As alterações são consequência da ingestão de uma dieta rica em gordura e podem ser herdadas por duas gerações, isto é pai-filho-neto, tendo “implicações na fertilidade masculina”, lê-se no comunicado da instituição.

A equipa, liderada pelo investigador Marco Alves, já tinha determinado, em trabalhos anteriores, que a ingestão excessiva de gordura durante as primeiras fases da vida altera o conteúdo lípido e o metabolismo dos testículos, “afectando negativamente a capacidade reprodutiva durante o resto da vida” e “resultando em alterações que não são reversíveis com a mudança para uma dieta equilibrada”, como aponta o cientista do ICBAS.

Neste estudo, realizado em modelos animais (ratinhos), os investigadores também descreveram os efeitos transgeracionais que são transmitidos pelos pais que ingerem uma dieta rica em gorduras a filhos e netos que seguem uma dieta equilibrada. “A descendência mostrou, nos testículos, uma alteração no metabolismo da colina”, diz Marco Alves. A colina é um nutriente essencial para a regulação de várias funções, como a função cerebral e o desenvolvimento de espermatozóides.

A investigação mostrou ainda alterações na actividade das mitocôndrias, nas defesas antioxidantes e na presença de vários lípidos. “Estas alterações promovem um ambiente pró-inflamatório no testículo, alterando a contagem e a qualidade espermática”, salienta o líder da investigação, notando que os efeitos transgeracionais também se observam quando a ingestão de gorduras pelo pai é apenas até à puberdade.

Marco Alves defende que a reprodução também é reflexo da dieta alimentar. “As nossas escolhas alimentares vão ter consequências nos nossos filhos e, muito possivelmente, também nos nossos netos”, afirma, acrescentando que estes efeitos podem ter ainda mais impacto nos processos de reprodução assistida, uma vez que o espermatozóide é escolhido de forma aleatória e sem ter em conta biomarcadores como os identificados no estudo.

“O aumento da infertilidade está claramente associado ao aumento das doenças metabólicas (sobrepeso, obesidade e diabetes, entre outras), tendo sido esta associação já reconhecida pela Organização Mundial da Saúde”, destaca Marco Alves.

A memória metabólica no testículo é transmitida pelas células de Sertoli, que asseguram todas as necessidades estruturais e metabólicas durante o processo de formação dos espermatozóides. Os estímulos captados por estas células, além de alterarem a sua própria expressão genética, também modelam a epigenética.

“Conhecer estas alterações e os mecanismos de transmissão permitirá seleccionar os melhores espermatozóides e a melhor janela de tempo para realizar fertilizações in vitro, melhorando a eficiência das técnicas de reprodução assistida e abrindo novas oportunidades terapêuticas na infertilidade masculina”, acrescenta o investigador.

Além da equipa do ICBAS, o estudo contou também com investigadores da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, da Universidade de Aveiro, do Instituto Politécnico da Guarda e da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP). O trabalho resultou ainda de várias parcerias internacionais, incluindo com a Universidade de Zagreb (Croácia) e a Universidade College de Londres (Reino Unido).

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