Trump convocou manifestação de 6 de Janeiro após reunião “insana” na Casa Branca

Comissão de inquérito à invasão do Capitólio centrou-se num encontro, a 18 de Dezembro de 2020, em que participaram o general Michael Flynn e a advogada Sidney Powell. Conselheiros da Casa Branca tentaram pôr fim à reunião, por entre gritos e insultos.

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A comissão de inquérito à invasão do Capitólio já fez sete sessões públicas com depoimentos de testemunhas Reuters/SARAH SILBIGER

No dia 18 de Dezembro de 2020, quatro dias depois de o Colégio Eleitoral dos Estados Unidos ter confirmado a vitória de Joe Biden na eleição presidencial de 3 de Novembro, o então Presidente dos EUA, Donald Trump, esteve reunido durante seis horas, na Casa Branca, com um pequeno grupo de apoiantes que pretendiam levar as acusações infundadas de fraude eleitoral até às últimas consequências. Pouco depois do final dessa reunião, já na madrugada de 19 de Dezembro, Trump publicou no Twitter, pela primeira vez, um apelo aos seus apoiantes para que se juntassem a ele, em Washington D.C., no dia 6 de Janeiro de 2021: “Apareçam, vai ser uma loucura!”

A proximidade de Trump a figuras como o general Michael Flynn e os advogados Rudolph Giuliani e Sidney Powell já era conhecida, e também já se sabia que o então Presidente dos EUA se fez rodear de apoiantes mais extremistas em meados de Dezembro de 2020, assim que os seus próprios conselheiros e advogados na Casa Branca começaram a pressioná-lo a aceitar a derrota eleitoral.

Na terça-feira, na 7.ª sessão pública dos trabalhos da comissão especial de inquérito à invasão do Capitólio, alguns dos funcionários da Casa Branca que tentaram pôr fim à reunião de 18 de Dezembro de 2020 deram conta de um ambiente de grande tensão, pontuada por trocas de ofensas e gritos entre os apoiantes mais extremistas e os conselheiros oficiais do então Presidente dos EUA.

“Chegou a um ponto em que a gritaria ficou completamente descontrolada”, disse Eric Herschmann, um dos advogados da Casa Branca na altura, no seu depoimento perante a comissão de inquérito. “O que aquelas pessoas estavam a propor [a Trump] era uma completa loucura.”

No encontro de 18 de Dezembro estiveram presentes Michael Flynn e Sidney Powell — a advogada que dizia ter provas de que a Venezuela e “os comunistas” tinham manipulado as máquinas de votos nos EUA — e também o empresário Patrick Byrne, fundador da empresa Overstock.com.

Do outro lado, na equipa da Casa Branca, Herschmann e Pat Cipollone (o principal advogado do Presidente) juntaram-se a Derek Lyons (o secretário da Casa Branca) para tentarem impedir que Trump ouvisse propostas que tinham como objectivo reverter o resultado da eleição presidencial.

“Fiquei espantado e perguntei-lhes se eles estavam mesmo a dizer que o Partido Democrata tinha trabalhado em conjunto com Hugo Chávez [que, por aquela altura, tinha morrido há sete anos e meio] e com os venezuelanos”, recordou Herschmann, no testemunho que foi exibido, em vídeo, durante a sessão pública de terça-feira.

"A dada altura, o general Flynn mostrou um diagrama com moradas de IP em todo o mundo, que estariam, supostamente, a comunicar com as máquinas de voto. E disse qualquer coisa sobre termóstatos ligados à Internet.”

E, quando os conselheiros e advogados da Casa Branca pediram a Flynn, Powell e Byrne que justificassem a avalancha de decisões judicias contra as queixas de fraude eleitoral (60 decisões contrárias a Trump em 61 processos, entre a eleição presidencial e finais de Dezembro de 2020), os conselheiros externos do então Presidente dos EUA disseram que “os juízes são corruptos”.

“Todos?”, perguntou Herschmann, segundo o seu testemunho. “Em cada um dos processos que vocês perderam? Todos eles são corruptos? Mesmo aqueles que nós nomeámos?”

Ponto de partida

A reunião de 18 de Dezembro de 2020 é vista, pela comissão de inquérito, como um ponto importante nos acontecimentos que culminaram com a invasão do Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021.

Durante as audições de terça-feira, foram também apresentadas provas de que o convite de Trump aos seus apoiantes para uma manifestação em Washington D.C., no dia em que o Congresso ia carimbar a eleição de Biden, foi interpretado por grupos extremistas — como os Proud Boys e os Oath Keepers — como um apelo à insurreição.

“A nossa única salvação vão ser os milhões de americanos que se dirigirem a Washington para ocuparem toda a área, incluindo o Capitólio”, disse Matt Bracken, um comentador ligado aos grupos da extrema-direita norte-americana, num vídeo publicado depois do tweet de Trump, na madrugada de 19 de Dezembro de 2020. “Nós sabemos o que temos de fazer. Se tivermos pessoas suficientes, podemos derrubar qualquer tipo de vedação.”

A congressista republicana Liz Cheney — a vice-presidente da comissão de inquérito — revelou que Trump tentou telefonar a uma das testemunhas que foram ouvidas durante as investigações, o que pode configurar um crime de tentativa de manipulação de testemunha. Segundo Cheney, a testemunha — que não foi identificada na terça-feira — não atendeu o telefonema e transmitiu a informação aos membros da comissão de inquérito.

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