Referendo para quê? Lei-quadro da regionalização exige dois terços da AR

Antes de haver uma consulta nacional, o Parlamento tem de aprovar uma lei de bases, que com a revisão constitucional de 1997, quando Marcelo era presidente do PSD, passou a exigir maioria qualificada.

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Marcelo Rebelo de Sousa defende que tem de haver consenso para se referendar a regionalização LUSA/PAULO NOVAIS

O referendo à regionalização dificilmente irá acontecer em 2024, como tinha prometido o primeiro-ministro António Costa, devido às reservas do novo presidente do PSD. Luís Montenegro já deixou claro que fazê-lo seria “uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro” e ontem afastou mesmo que deva ser feito nesta legislatura. Qualquer consulta popular sobre o tema tem de ser precedida pela aprovação de uma lei-quadro que, em alguns aspectos, exige a aprovação por dois terços dos deputados na Assembleia da República.

Por isso o Presidente da República foi tão rápido a dizer que seria “muito difícil” esse processo avançar “num futuro próximo”, sublinhando, na visita oficial ao Brasil, que “o consenso é muito importante” nesta matéria. Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem do que fala, pois era líder do PSD quando se fez a revisão constitucional de 1997 – prévia ao referendo de 1998 -, em que se estabeleceram as regras para o referendo e a criação de regiões administrativas.

“Percebi que o PSD não está disponível” para o referendo, “matéria que exige um consenso muito amplo, foi assim que foi pensada na revisão constitucional de 1997”, reconheceu o actual chefe de Estado mal aterrou em Lisboa, horas antes da audiência com Luís Montenegro. E logo deu um passo em frente, ao acrescentar que, “não havendo regionalização, tem que se apostar na descentralização, que é um processo que está em curso e no qual o PSD é muito importante, dado o peso pelo número de autarcas”.

O constitucionalista Paulo Otero explicou ao PÚBLICO que, de facto, o regime constitucional para o referendo “é triplamente complicado”, mas já é difícil mesmo antes da consulta popular, pois “tem de haver um modelo em concreto de regiões, ou seja, tem de haver legislação aprovada na Assembleia da República”. E nalguns pontos, essa lei-quadro exige uma maioria favorável de dois terços dos deputados.

Com efeito, o art.º 255.º determina que “as regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma”. A questão dos dois terços coloca-se em relação ao órgão executivo colegial da região, que é a junta regional (art.º 261), pois Paulo Otero afirma que em relação a estes se aplica a exigência da maioria qualificada prevista para os órgãos colegiais das autarquias.

A instituição em concreto das regiões está constitucionalmente condicionada a essa lei-quadro e a leis de instituição de cada região em concreto, a que se junta um referendo nacional “com voto favorável expresso pela maioria dos eleitores”. E a decisão da convocação do referendo compete ao Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República.

Mesmo quando se chega a esta fase de referendo, a Constituição complica a criação de regiões porque, como explica Paulo Otero, exige que se façam duas perguntas – uma sobre o modelo de regionalização em concreto (a tal lei-quadro previamente aprovada) e outra sobre a região do eleitor em concreto (de acordo com o mapa proposto) – e que haja a aprovação de mais de metade dos eleitores para que se torne vinculativo. Mas não vai ser fácil chegar aqui, sequer.

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