Subsídios para a interpretação da cabeça de Pedro Nuno Santos

Qualquer que seja o “erro de comunicação”, existe aqui uma divergência política profunda que da forma mais absurda possível Pedro Nuno Santos fez questão de tornar pública

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Pedro Nuno Santos anda em campanha para futuro secretário-geral do PS há, pelo menos, 20 anos. Se a ambição lhe vem da escola secundária é uma hipótese não confirmada. Tem um projecto e anda a mostrá-lo ao PS e país há muitos anos. Tem o seu “povo”, uma palavra que gosta muito de usar quando se dirige, em sessões de campanha, aos socialistas.

A entrevista de Mariana Vieira da Silva ao PÚBLICO e à Rádio Renascença onde a número 2 de Costa diz que o Governo está disponível “para aceitar aquela que for a solução com que o PSD está confortável” não agradou a Pedro Nuno Santos. As declarações que fez nas entrevistas que deu na quarta-feira, dia em que o despacho foi publicado, foram inequívocas relativamente ao desprezo por soluções de consenso com o PSD, em contradição evidente com a estratégia definida pelo primeiro-ministro. Como Pedro Nuno Santos não é maluco, as declarações na sequência do despacho só podem ter querido expressar publicamente que a sua estratégia é diferente da de Costa. Expressões como “Já chega, já chega, já chega! O país anda há anos a discutir o aeroporto. Já é tempo demais. Há uma decisão tomada e vamos avançar” – que afirmou na entrevista à RTP – são inequívocas. Juntemos, na mesma entrevista, “o país não pode esperar” e temos, como cartão de apresentação, o anti-Costa, que apesar da recente maioria absoluta se apresenta hoje mais cansado do que há seis anos e tem estado muito ausente do país por causa da agenda europeia.

O sonho de Pedro Nuno Santos é que o rótulo de “fazedor político” se cole à sua futura imagem de candidato a primeiro-ministro. E, de resto, pensa que desprezar Luís Montenegro é uma boa estratégia pessoal: afinal, se Pedro Nuno Santos conseguir suceder de facto a António Costa, é ele que enfrentará Montenegro em legislativas e não António Costa.

A história toda não é conhecida. Pedro Nuno Santos já teve várias intervenções explosivas que desagradaram ao chefe do Governo mas nenhuma deste calibre. Porém, qualquer que seja o “erro de comunicação”, existe aqui uma divergência política profunda que da forma mais absurda possível Pedro Nuno Santos fez questão de tornar pública: de um lado, o homem que queria despachar o assunto considerando desnecessário o consenso com o PSD; do outro o primeiro-ministro, que enunciou a “linha” do Governo.

O tom do comunicado em que Costa manda Pedro Nuno revogar o despacho só podia ter como consequência a demissão do ministro. Pedro Nuno preferiu um tenebroso e humilhante pedido de desculpas para se manter no Governo. Por que é que um homem que quer ser primeiro-ministro no futuro se presta a uma figura que será certamente incluída na lista das mais patéticas da história da política nacional? Só há uma explicação possível: Pedro Nuno Santos acha que, mesmo muito fragilizado, as suas possibilidades de vencer a luta pela sucessão aumentam estando no Governo e diminuem sentado na quinta fila do Parlamento. Por isso aceitou beijar os pés de António Costa, ir até à lua e voltar em juras de amor e pedidos de perdão e deixar-se diminuir perante o PS e o país. Não sei se a imagem de Pedro Nuno Santos de joelhos faz mais pela sua carreira no PS do que uma demissão honrosa, demarcando-se politicamente de António Costa, se preciso fosse mas ele (e Costa) é que conhecem o PS bem melhor do que eu.

Quando às vezes amigos meus me perguntam se o próximo secretário-geral do PS será mesmo Pedro Nuno Santos, costumo responder: “Sim, se não tropeçar nos próprios pés”. O que se passou nesta semana não foi um tropeção, foi uma queda de um 5.º andar. Às vezes sobrevive-se de uma queda, a memória dos socialistas é curta e Pedro Nuno Santos continua a ser o socialista que mais apoios reúne para suceder a Costa. O problema é se, depois disto, a sua imagem perante o país e o eleitorado não levou um abanão de consequências imprevisíveis.

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