Temido: “Se contratássemos todos os ginecologistas e obstetras do país, continuaríamos com dificuldades”

A ministra da Saúde, Marta Temido, esteve toda a manhã a responder a perguntas de deputados, que exigiram respostas rápidas para a falta de médicos que tem causado constrangimentos no funcionamento dos serviços de obstetrícia e ginecologia em vários hospitais.

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“Se conseguíssemos captar todos os ginecologistas e obstetras do país, continuaríamos com dificuldades”, diz Marta Temido PÚBLICO

A ministra da Saúde, Marta Temido, reconheceu a dificuldade de responder às necessidades dos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente nas especialidades de obstetrícia e ginecologia, que nas últimas semanas viram vários serviços de urgência encerrar por falta de médicos. Numa audição na Assembleia da República que ocupou toda a manhã desta quarta-feira, Marta Temido admitiu que os concursos para médicos especialistas não respondem a todas as necessidades do sistema, mas reiterou que o Governo espera dar resposta a algumas delas através da contratação directa, dando ainda aos hospitais autonomia para preencher as vagas em aberto.

A ministra adiantou ainda que o novo Estatuto do SNS e vai ser aprovado na próxima semana em Conselho de Ministros e daí resultarão mudanças na organização e funcionamento do SNS.

Sob forte escrutínio dos deputados da Comissão de Saúde que pediram respostas a curto prazo para os problemas evidenciados nas últimas semanas, Temido respondeu com promessa de reformas de longo prazo, que respondam aos problemas de fundo do SNS, nomeadamente através do aumento da formação de ginecologistas-obstetras. Actualmente, existem nesta área cerca de 1800 médicos especialistas (mais de um terço têm mais de 65 anos) e a média de formação de 40 especialistas por ano (segundo a Ordem dos Médicos, formam-se anualmente entre 46 a 48) — não é suficiente.

“Mesmo que conseguíssemos contratar para o SNS todos os ginecologistas e obstetras do país, continuaríamos a ter dificuldade de responder nalgumas linhas senão reorganizarmos a actual rede”, declarou Temido. “Não abrimos as vagas que gostaríamos, mas as que temos expectativas de preencher”, tinha explicado, minutos antes.

Segundo a governante socialista, a dedicação plena dos médicos ao SNS e a remuneração do trabalho em urgência serão apostas do Governo e duas das matérias que serão discutidas com os representantes do sector. Porém, a ministra guardou os detalhes dessa negociação para os encontros.

Confrontada com a discrepância face ao número de vagas abertas, Marta Temido justificou que essas vagas “resultam da junção de necessidades manifestadas pelos serviços e da disponibilidade de especialistas”, concordando que o número de recém-especialistas que se apresentaram a concurso fica aquém das necessidades do sistema. “Esperamos que por via da contratação directa algumas delas possam ser satisfeitas”, acrescentou.

“Não sei que parte é que ainda não perceberam que a responsabilidade é sempre e totalmente minha e é a parte, obviamente, pela qual peço desculpa”, disse, em resposta às críticas dos deputados da oposição. Logo a seguir, a governante defendeu que “está à vista” a importância de “uma direcção executiva do SNS”.

Serviços encerrados? Não, “indisponíveis”, distingue Temido

Depois de esta quarta-feira a administração do Hospital de Braga ter informado que iria ficar, a partir de sexta-feira e por tempo indeterminado, sem urgências de cirurgia pediátrica durante o período nocturno, Temido argumentou que se está sistematicamente "a dizer que há serviços encerrados quando o que está a acontecer é um reencaminhamento para outro ponto”.

“O facto de um serviço estar desviado não significa que a rede não dá resposta, mas que naquele momento, temporariamente, há uma indisponibilidade num ponto concreto e há um redireccionamento de serviço", declarou a ministra, comparando a situação à indisponibilidade de farmácias de serviço. “O que é importante perceber é que o sistema como um todo dá resposta e as pessoas sabem onde se dirigir”, afirmou.

A ministra da Saúde foi ainda questionada, durante a primeira audição regimental da governante nesta legislatura, sobre os 1,4 milhões de portugueses que continuam sem médico de família. Em resposta, Temido disse que, embora estes utentes não tenham médico de família atribuído, “têm acesso a consultas de medicina geral e familiar no SNS”.

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A audição à ministra da Saúde durou mais de 4 horas LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Segundo as contas do Governo, em 2021, foram registadas 4 milhões de consultas para utentes sem médico de família no SNS e desde o início deste ano até Maio já foram realizadas 1,7 milhões de consultas, sendo que, destas, um milhão foi na região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, uma vez que é nesta que se concentra “a maioria dos utentes sem médico de família”.

Sublinhou ainda que é também devido a este facto que, das 239 vagas abertas para unidades de cuidados de saúde personalizados, cerca de 200 são na região de Lisboa e Vale do Tejo, sendo as restantes distribuídas pelas regiões carenciadas do Algarve, Alentejo e algumas unidades de cuidados de saúde primários em regiões como a Guarda ou outras unidades com “especiais dificuldades”.

A secretária de Estado da Saúde, Maria de Fátima Fonseca, completou que o despacho que disponibiliza 239 vagas com incentivos para recém-especialistas que sejam colocados em unidades com taxa de cobertura de médico de família inferior à média nacional (zonas carenciadas) foi publicado na terça-feira e lembrou que em causa está um suplemento remuneratório, correspondente a 60% da remuneração base para a primeira posição remuneratória da categoria de assistente da carreira especial médica ou da carreira médica. Ou seja, um médico especialista que recebia uma remuneração de 2779 euros pode receber mais 1667 euros se ocupar um destes postos de trabalho. Pode ver o despacho aqui.

Descentralização na saúde

A ministra da Saúde foi também questionada sobre o processo de descentralização de competências para os municípios que está em curso na área da saúde e detalhou que pelo menos 49 municípios (dos 201 elegíveis) já tinham os seus autos de transferência aprovados.

Aqui, a ministra admitiu que poderá fazer sentido “reservar as ARS [Administrações Regionais de Saúde] para uma função que não a de prestação de cuidados” ao transferir “mais autonomia para os ACES [agrupamentos de centros de saúde] e para os hospitais”, num processo que deverá ser “faseado e progressivo”. Temido ressalvou que esta transferência de competências “não pode pôr em causa a capacidade nacional de definição de políticas e equidade territorial”.

Os números de Temido

  • Mais 1,2 milhões de consultas médicas;
  • Mais 193 mil consultas de enfermagem;
  • Mais 78 mil consultas de outros técnicos de saúde, nos cuidados de saúde primários
  • Mais 112 mil consultas e 23 mil cirurgias nos hospitais.

A ministra destacou igualmente o aumento de cobertura dos rastreios oncológicos de base populacional, com o número de mulheres rastreadas ao cancro da mama a crescer 13% e o rastreio do cancro do colo do útero a aumentar 16%. Quanto ao número de rastreios do cólon e recto, houve um aumento de 4%.

A estes dados soma-se o crescimento de 32% do número de operados em cirurgia oncológica até Abril deste ano face a 2019 (ano prévio ao início da pandemia). E comparou ainda a evolução do número de profissionais de Saúde no SNS face a 2015, quando António Costa assumiu o seu primeiro Governo, destacando que houve um aumento de 119 mil para 151 mil profissionais.

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