Plásticos: um problema à deriva que deixa os oceanos doentes

Milhões de toneladas de plástico são produzidos todos os anos e muitos deles vão parar ao oceano, deixando em risco tanto os animais como o ambiente. A poluição causada pelos plásticos nas águas do planeta é um dos temas em discussão na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, de 27 de Junho a 1 de Julho.

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Um voluntário participa na limpeza de uma praia na República Dominicana ORLANDO BARRIA/EPA

Todos os anos são produzidos mais de 400 milhões de toneladas de plástico e são muitos os milhões que vão parar aos oceanos. Se continuarmos a este ritmo, a quantidade de plástico produzida deverá triplicar até 2060, avisou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) num relatório preliminar publicado no início do mês. E só um quinto desse plástico será reciclado.

Os oceanos são dos locais que mais sofrem com esta poluição, que tem vindo a aumentar de ano para ano. Entre 23 e 37 milhões de toneladas de plástico poderão ser escoados para o oceano todos os anos até 2040, segundo o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). As estimativas apontam que, actualmente, entre cinco a 13 milhões de toneladas de plástico cheguem aos oceanos todos os anos. A associação ambientalista WWF traça a comparação: é como se um camião de lixo cheio despejasse os resíduos nos oceanos a cada minuto.

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Lixo composto sobretudo por plástico numa praia do Haiti Ricardo Rojas

A produção em grande escala de plástico deixa como legado uma pegada ambiental gigantesca. Sem medidas e decisões políticas que regulem a indústria do plástico, a sua produção deverá passar de 460 milhões de toneladas anuais (dados de 2019) para 1231 milhões de toneladas em 2060, alerta a OCDE.

“Nas últimas quatro décadas, a produção global de plástico mais do que quadruplicou”, lê-se no relatório Da Poluição à Solução, elaborado pelo PNUA em 2021. Os dados do relatório indicam que cerca de 7000 milhões dos 9200 milhões de toneladas de plástico produzidos entre 1950 e 2017 não foram devidamente tratados e transformaram-se em lixo – a maior parte acabou em aterros, a ser queimada ou despejada no meio ambiente.

Em busca de soluções

A poluição causada por plásticos é um dos temas em discussão na Conferência dos Oceanos, que decorre na próxima semana em Lisboa, co-organizada com o Quénia. A embaixadora de Portugal nas Nações Unidas, Ana Paula Zacarias, acredita que a necessidade de se garantir um novo instrumento legal para combater a poluição destes plásticos deverá ser reforçada nesta conferência. “Um novo instrumento legal seria a coisa mais importante a obter” para travar esta poluição, afirmou a diplomata portuguesa na quinta-feira passada. “Já sabemos muito sobre esta questão do plástico, por isso está na hora de conseguirmos uma solução.”

Também o vice-presidente da comissão organizadora da Conferência dos Oceanos, Alexandre Leitão, espera que do encontro saia uma “declaração robusta” em defesa da vida marinha. “Algumas potências estão muito longe de mostrarem um comprometimento efectivo profundo com a preservação da biodiversidade, com a despoluição, desde logo dos plásticos e com a redução de facto das emissões de gases com efeito de estufa”, afirmou.

Uma das principais soluções é reduzir a produção e o uso de plástico, reaproveitar as embalagens usadas e reciclar. Se não for feito, o mais provável é que acabem no oceano, arrastados pelas chuvas ou rios ou levados pelos esgotos. Em Março deste ano, as Nações Unidas tomaram a “decisão histórica” de redigir (e negociar) o primeiro tratado internacional para regular a poluição por plásticos até 2024. O objectivo é criar um acordo vinculativo para os Estados-membros das Nações Unidas e pôr fim à poluição associada ao plástico, contemplando tanto as etapas de produção como de eliminação destes resíduos.

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Um homem recolhe plástico para reciclar na Indonésia Dadang Tri/REUTERS

Lixo à deriva

O plástico representa cerca de 80% da poluição marinha (tanto na superfície das águas como nos fundos marinhos). O lixo é tanto que até se formam “ilhas de plástico”, zonas do oceano com uma elevada concentração destes materiais sintéticos. Um dos exemplos mais conhecidos é a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, que se crê ter mais de 17 vezes o tamanho de Portugal. São milhares de toneladas de plástico a flutuar nessa ilha artificial, mas não é possível “caminhar” nela: não é propriamente visível ao longe nem por satélite, já que os plásticos estão a flutuar e são de pequenas dimensões.

Mas o problema é global. Um estudo publicado no início deste mês na revista científica Environmental Pollution refere que foi encontrada uma concentração média de 50 partículas e fibras de microplásticos por cada metro cúbico de água superficial no oceano Índico, um valor “inesperadamente alto”.

Um outro estudo publicado no final de Maio na revista científica Journal of Industrial Ecology mostrava que os três países que mais contribuíam para estes resíduos de plástico são os Estados Unidos, o Brasil e a China. O continente americano é responsável por 41% do lixo resultante de embalagens de plástico (19% dos EUA e 13% no Brasil); segue-se a Europa com 24% e a Ásia com 21% (12% da China). Neste estudo, fala-se de resíduos plásticos no geral, sem se olhar apenas para os que vão parar ao oceano.

Os plásticos são polímeros sintéticos, criados sobretudo através de subprodutos do petróleo. Existem muitas vantagens para a sua utilização: são baratos, maleáveis e resistentes, daí que sejam tão comuns. É uma faca de dois gumes: o motivo para serem tão usados é também a razão para que sejam um problema para o ambiente. São produzidos em grande escala, não são biodegradáveis e por isso levam muitos anos a desaparecer.

A viagem dos plásticos pelos cursos de água é lenta e acontece ao longo de décadas. “Mais de metade dos plásticos encontrados à deriva em alguns giros [sistema de correntes oceânicas] tinha sido produzida na década de 1990 e antes”, lê-se no relatório sobre plásticos do PNUA.

Muitos cientistas têm argumentado que é imperioso criar limites à produção de plástico, para atacar a “raiz” do problema. “Mesmo que reciclássemos de forma mais eficaz e tentássemos gerir melhor o lixo, continuaríamos a libertar mais de 17 milhões de toneladas de plástico por ano para a natureza”, argumentou a bióloga Melanie Bergmann, do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha. É uma das autoras de uma carta publicada na revista Science em que são pedidas medidas mais agressivas para enfrentar este problema.

Problema, esse, que também se agravou com a pandemia. As medidas de protecção contra a covid-19, sobretudo as máscaras descartáveis, aumentaram a poluição – incluindo a que chega aos oceanos. Em Itália, estima-se que tenham sido produzidos uns 160 mil a 440 mil toneladas adicionais de resíduos em 2020. Mesmo que só 1% das máscaras de uso único não fossem devidamente deitadas ao lixo, até dez milhões de máscaras poderiam ir parar ao oceano por mês, refere o PNUA. Já um estudo da universidade britânica de Portsmouth mostrou que o número de máscaras atiradas para o chão aumentou 9000% entre Março e Outubro de 2020. Os investigadores alertam que o “lixo pandémico” pode ter um impacto duradouro e constituir um “desastre ambiental”.

Que perigos existem?

O lixo no mar tem impactos no ambiente e pode ser prejudicial para os ecossistemas marinhos. Os animais podem confundir estes pequenos pedaços sintéticos com alimento e ficar presos, ou sofrer outros danos físicos e químicos nos organismos. Os pequenos pedaços de plástico vão sendo propagados na cadeia alimentar e pensa-se que quase todas as espécies sejam expostas a estes materiais.

Outro exemplo: a presença de plásticos nos oceanos aumenta em 20 vezes o risco de doenças nos corais, “roubando-lhes” luz e oxigénio, podendo levar consigo agentes patogénicos. Pela sua composição química, muitos plásticos funcionam como uma “esponja” de poluentes, que migram para os plásticos e depois os espalham por todo o lado, podendo também passar para os organismos dos animais.

Os plásticos, sobretudo os mais pequenos, podem igualmente representar perigo para a saúde humana. Os microplásticos (que têm menos de meio centímetro) já foram detectados dentro do próprio corpo humano: no sangue, nos pulmões e até na placenta. Não se sabe quanto tempo é que os microplásticos permanecem dentro do corpo, mas a presença destas partículas pode causar danos nas células e reacções alérgicas.

Os nanoplásticos poderão ser mais perigosos porque são bem mais pequenos (inferiores a um micrómetro) e podem ser transportados na corrente sanguínea e atravessar as membranas celulares. Alguns componentes do plástico podem também afectar o sistema endócrino, que regula as hormonas. Ainda existem muitas dúvidas e incertezas quanto ao impacto destes plásticos na saúde humana, mas os cientistas têm alertado que estão “por todo o lado” e que é preciso mais investigação para se enfrentar esta poluição de forma eficaz.

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