A guerra na Ucrânia continua. E agora?

Cabe a Portugal e aos outros Estados não-beligerantes aliados de Kiev, em primeiro lugar, intervir, individual e/ou colectivamente, de forma a, efectivamente, apoiar a Ucrânia e a prejudicar a Federação Russa e os países não-beligerantes que apoiam Moscovo.


O que significa constatar que, desde Fevereiro de 2022 — mas, também, desde Fevereiro de 2014 —, a Ucrânia continua a combater para consolidar a sua independência, para ampliar a correspondente capacidade de autogoverno? Que consequências daí continuarão a resultar para os portugueses e que posição deverá assumir o nosso país? Para além da Ucrânia e da Federação Russa, que outros Estados e regiões do Mundo continuarão a ser afectados? Explicitarei, por um lado, a minha posição enquanto cidadão sobre estas questões (abordagem ideológica). Procurarei, por outro lado, sumariamente, na qualidade de historiador (cientista), analisar, de forma objectivante, várias das problemáticas correlacionáveis.

Como cidadão, penso que, tanto quanto possível, Portugal deve apoiar a Ucrânia quer no plano bilateral quer no âmbito de entidades como a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, o Conselho da Europa e a Organização das Nações Unidas, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e a Organização dos Estados Ibero-Americanos. Faço-o porque estou disposto a aceitar sacrifícios inerentes à opção em causa. Faço-o porque defendo a hegemonia da liberdade e dos direitos humanos, da democracia e do multilateralismo, do desenvolvimento integrado e sustentável, do Estado-Providência e de uma governação keynesiana/estruturalista do capitalismo e da globalização regulada.

Enquanto historiador, considero que, em 2014, a Ucrânia (país com mais de 40 milhões de habitantes) viveu uma ruptura — uma revolução popular e não um golpe de Estado militar — que tem visado a consolidação de um regime político democrático e a elevação dos níveis de desenvolvimento no seio da economia-mundo capitalista, a integração na União Europeia e na Organização do Tratado do Atlântico Norte. Por sua vez, a Federação Russa (Estado com mais de 140 milhões de habitantes e com um território que abarca do Mar Báltico ao Oceano Pacífico, uma das duas maiores potências nucleares do Mundo) evoluiu no sentido da implantação de uma ditadura (autoritária e/ou totalitária) com economia capitalista e elevadíssimos níveis de corrupção; da escolha de uma estratégia de afirmação baseada apenas no militarismo e no unilateralismo.

A guerra e as ocupações de território impostas pela Federação Russa à Ucrânia têm gerado níveis de violência e de sofrimento — de mortos e feridos, de violados e torturados, de raptados e deportados, de refugiados e emigrantes; de destruição de infraestruturas e de roubo de bens, de perda de oportunidades de actividade económica e de agressividade ideológica — desconhecidos na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e do Holocausto (1941-1945). Anteriormente, a população residente no que hoje é o território da Ucrânia fora já alvo acrescido de algumas das modalidades de violência de massas mais brutais perpetradas ao longo da ditadura comunista — a colectivização intensiva da agricultura e a “Guerra contra os kulaks” em 1929-1932, a Grande Fome de 1932/1933 — e durante a ocupação alemã/no Holocausto.

Dados os graus de integração económica e de sofisticação tecnológica verificados, sobretudo, desde o início do século XX, os conflitos militares de escala ou de relevância mundial como aquele que hoje ocorre na Ucrânia têm pressuposto a concretização de guerras económicas globais. Fruto de escolha própria ou de decisão alheia, a adopção das posturas de nação beligerante, de território anexado, de Estado não-beligerante ou de país neutral implicam diferentes níveis potenciais de limitações e de oportunidades em termos de economias de guerra nacionais. Cabe, pois, a Portugal e aos outros Estados não-beligerantes aliados de Kiev, em primeiro lugar, intervir, individual e/ou colectivamente, de forma a, efectivamente, apoiar a Ucrânia, a prejudicar a Federação Russa e os países não-beligerantes que apoiam Moscovo, a influenciar as nações neutrais.

No contexto da Segunda Guerra Mundial, o modo como o Reino Unido — Estado beligerante — governou a respectiva economia de guerra demonstra que é possível tanto minimizar as limitações e maximizar as potencialidades decorrentes de situações de guerra económica como atenuar ou anular o acréscimo de desigualdades sociais por norma associadas às mesmas. Em conjunto com a preocupação de divulgação e debate continuados de informação e de propostas de actuação rigorosas, a redução dos sacrifícios (absolutos e relativos) vividos pelas populações são vectores comprovados de estabelecimento de consensos e de renovação de apoio a esforços de guerra directos ou indirectos.

Relativamente às motivações que podem levar países com regimes democráticos ou demoliberais abertos a aumentar, a manter ou a diminuir o apoio que têm garantido à Ucrânia, mais do que a questão dos valores — talvez pouco presentes e menos decisivos na esfera colectiva —, justificar-se-á observar a problemática dos interesses. Se compararmos o sucedido nos períodos de Entre-Guerras (1919-1939), da Guerra Fria (1947-1991) e do Pós-Guerra Fria (desde 1991), constata-se que a opção por lógicas de egoísmo irracional e de curto prazo redundou, muitas vezes, em dificuldades graves — por exemplo, a Crise de 1929; a Segunda Guerra Mundial/o Holocausto; as ditaduras toleradas ou promovidas, no Bloco Ocidental, durante a Guerra Fria; a continuidade de ditaduras no Pós-Guerra Fria; a Crise de 2008; as forças políticas e os Governos populistas/autoritários.

Ao contrário, a escolha de estratégias de intervenção baseadas no egoísmo racional e de médio/longo prazos tem garantido resultados positivos (nomeadamente, o desenvolvimento assegurado pelo binómio Estado Providência/globalização regulada; o sucesso, timorato e parcelar embora, do processo de integração europeia; a estabilização de regimes democráticos em países como o Japão e a Alemanha, a Itália e Espanha, a Grécia e Portugal).

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