Na Conferência do Oceano das Nações Unidas vamos retribuir o que o oceano nos deu

Portugal tem de culminar o seu caminho de liderança do oceano, no sentido de vincular as confluências de vários processos em discussão sobre políticas do oceano: o novo tratado global para acabar com a poluição por plásticos, os tratados para acabar com subsídios prejudiciais que alimentam a pesca ilegal e não reportada e os novos objetivos de biodiversidade marinha em alto mar.

Há semanas, participei num dos eventos “Blue Talks” que a sempre eficiente diplomacia portuguesa organizou em todo o mundo para preparar a Conferência do Oceano das Nações Unidas, que irá decorrer em Lisboa de 27 de junho a 1 de julho. Ali, partilhei a minha visão sobre a perspetiva de um oceano novamente vibrante e com vida abundante, apoiando o bem-estar de gerações vindouras.

A sessão foi formidavelmente organizada pelo embaixador Nuno Matias em Riade, na Arábia Saudita. Comecei a minha intervenção com a reflexão de que, tendo nascido há seis décadas em Lisboa, existe um inevitável sentido de “fado” no meu caminho de 40 anos de investigação por todo o oceano global até este regresso a casa, para contribuir, desta vez como membro da delegação saudita, para a construção de um futuro promissor para o oceano.

Contudo, não estarei sozinho na minha viagem até Lisboa, já que são esperados 20 mil participantes registados – e um número idêntico de participantes não registados – que estarão reunidos naquela cidade com um objetivo: traçar um rumo para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 das Nações Unidas, proteger a vida marinha, para um oceano saudável que seja a base de uma economia azul sustentável e de bem-estar humano.

O caminho até à conferência é, em si mesmo, a história da viagem de toda uma nação, Portugal, ao encontro do seu fado no oceano.

A minha viagem na investigação começou em 1982, como bolseiro do Instituto Superior de Agronomia, na Tapada da Ajuda, a fazer investigação sobre a ecologia de espécies infestantes nas valas de regadio da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira. Na altura, o país enfrentava uma crise económica profunda, agravada pela perda recente de rendimentos dos territórios africanos, bem como do influxo de cidadãos que deles regressavam. O estado de espírito predominante era de saudade de tempos idos de riqueza e prosperidade. Era o fim oficial da era das Descobertas, mas o início de uma era mais profunda.

Cerca de duas décadas mais tarde, algo mudou. O visionário José Mariano Gago, o primeiro ministro de Ciência e Tecnologia do país (entre 1995-2002 e 2005-2011) e verdadeiro arquiteto da área da investigação europeia, criou a Ciência Viva - Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Criou também programas que atraíram talento de regresso a Portugal e formou uma nova geração de cientistas num ambiente em que a ciência era inerente à cultura. O trabalho de fundações emblemáticas, como a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Champalimaud, deu um impulso adicional, a partir do sector filantrópico, ao crescimento de uma nova geração de empreendedores ávidos de ciência.

Em 2008, a braços com uma crise económica global que atingiu Portugal duramente – ainda que os investimentos na ciência tenham sido mantidos – descobri que algo tinha mudado. Descobri uma geração jovem criativa, empreendedora e visionária, motivada e com os olhos postos num futuro de oportunidades e esperança, pois tinha aliviado os laços com a saudade que mantiveram uma geração inteira de portugueses presa ao passado.

Em colaboração estreita com o ministro Gago, o professor Mário Ruivo influenciou as ciências marinhas europeias no século XXI e promoveu-as em Portugal, um contributo recentemente reconhecido pela mudança de nome do navio de investigação marinha do IPMA, de RV Mar Portugal para RV Mário Ruivo. A Fundação Calouste Gulbenkian também voltou as suas atenções para o mar, com o lançamento da Iniciativa Gulbenkian Oceanos, que apoiou vários investigadores para quantificar o valor do oceano, concretizado e potencial, para a economia portuguesa. Um elemento específico, a onda da Nazaré, gerou mais atenção sobre Portugal do que toda a promoção turística oficial. Isto foi seguido por uma iniciativa extremamente bem-sucedida, o programa Blue BioValue, onde a Fundação Calouste Gulbenkian e um novo ator focado na conservação do oceano, a Fundação Oceano Azul, criaram uma parceria para desenvolver o potencial do sector da biotecnologia azul em Portugal. O resultado foi o desenvolvimento de várias start-ups e invenções que colocam o país na vanguarda da revolução da biotecnologia azul.

A influência de Mariano Gago no desenvolvimento do projeto europeu abriu a porta ao crescimento de Portugal como um soft-power na diplomacia global, estendendo-se da União Europeia até à NATO e mais além, culminando com a nomeação de António Guterres, ex-primeiro ministro, para secretário geral das Nações Unidas. O meu colega e investigador mundialmente reconhecido sobre o mar profundo, o professor Ricardo Serrão Santos, tomou de assalto o Parlamento Europeu com a sua visão sobre a importância do oceano para a economia europeia, tendo mais tarde sido nomeado ministro do Mar. Portugal integrou o Painel de Alto Nível para a Economia Sustentável do Oceano, que produziu muito do trabalho de preparação para aquela que será a base das discussões na Conferência do Oceano das Nações Unidas.

No que toca à ação sobre o oceano, a Fundação Oceano Azul, membro do grupo exclusivo dos Amigos da Ação sobre o Oceano do Fórum Económico Mundial, criou uma aliança com outras organizações não-governamentais e filantropos a nível global, e levou ao lançamento do ambicioso compromisso Rise Up, que apela aos governos e empresas que tomem ações ousadas e justas, necessárias para colocar o oceano rumo à recuperação. O diretor do comité executivo da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha, usou a sua experiência de excelência nas políticas internacionais para posicionar Portugal na linha da frente da liderança e ação sobre o oceano, refletida no projeto “Blue Azores”, que tem o objetivo de criar aquela que será a maior área marinha protegida da Europa.

Portugal, que coorganiza a Conferência do Oceano das Nações Unidas com o Quénia, tem agora de culminar o seu caminho de liderança do oceano, no sentido de vincular as confluências de vários processos em discussão sobre políticas do oceano: o novo tratado global para acabar com a poluição por plásticos, os tratados da Organização Mundial do Comércio para acabar com subsídios prejudiciais que alimentam a pesca ilegal e não reportada e os novos objetivos de biodiversidade marinha em alto mar. A conferência tem que colocar o mundo no caminho de recuperar a vida marinha até 2050, um objetivo que eu e os meus colegas demonstrámos ser cientificamente possível, ainda que desafiante, e elevar a ambição para ir mais além dos 30% do oceano efetivamente protegido até 2030.

Portugal tem de liderar por exemplo e, em antecipação da conferência, apresentar programas ambiciosos. O recentemente anunciado programa Gulbenkian Carbono Azul, do qual orgulhosamente sou embaixador, vai pressionar os limites da estratégia para reconstruir os habitats costeiros para sequestrar carbono, e simultaneamente apoiar as pescas e aumentar a proteção da costa portuguesa. Os frutos azuis do jardim à beira mar plantado estão prontos para serem colhidos.

A 1 de julho, irei terminar a minha participação na conferência com uma visita ao projeto de recuperação de pradarias de ervas marinhas que a ecologista marinha e ativista apaixonada pelo oceano Ester Serrão, da Universidade do Algarve, iniciou há 15 anos, com a minha colaboração. Será certamente uma visita emotiva, já que vai demonstrar, de forma tangível, o que podemos conseguir se retribuirmos ao oceano. E, para Portugal e os portugueses, o que devemos retribuir é nada mais nada menos do que a essência daquilo que somos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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