O exame de Português visto pelos professores: obras difíceis, perguntas fáceis

Docentes consideram que exame foi “adequado” às aprendizagens dos alunos, mesmo com o défice verificado na pandemia.

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Faltaram quase 10 mil alunos ao exame de Português do 12.º ano Rui Gaudêncio

Primeiro veio o susto, e não foi pequeno, quando constataram que no exame de Português tinham ao mesmo tempo de lidar com a Mensagem de Fernando Pessoa e Os Lusíadas de Camões. Mas o alívio veio logo depois, quando constataram que as perguntas sobre estas obras eram “fáceis”. Foi deste modo que reagiram os alunos do 12.º ano da professora de Português Carmo Oliveira, que fizeram o exame nesta sexta-feira.

E as perguntas eram mesmo “muito fáceis” no que respeita à parte da Mensagem e “não eram difíceis” no que reporta aos Lusíadas, corrobora esta docente.

Uma análise feita pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave, responsável pela elaboração e classificação de exames) ao desempenho dos alunos entre 2010 e 2016 concluiu que “os resultados eram inferiores quando o suporte dos itens que têm como objecto de avaliação a leitura de texto literário é um texto poético ou um excerto de Os Lusíadas”. “Têm sempre alguma aversão, o que também pode ser motivado pelo modo como ainda se aborda esta obra nas aulas”, comenta Carmo Oliveira.

O exame de Português deixou de ser obrigatório para todos os alunos desde que, em 2020, estas provas do secundário passaram a servir apenas para acesso ao ensino superior de modo a minorar os efeitos da pandemia no desempenho dos alunos. Ao exame desta sexta-feira faltaram quase 10 mil alunos. Tinham-se inscrito 44.462, compareceram 34.995.

Carmo Oliveira, que foi apontada pela Associação de Professores de Português para comentar o exame, não dá razão às queixas de alunos ouvidos pelo PÚBLICO de que as perguntas de escolha múltipla continham “armadilhas” porque “havia sempre duas opções que poderiam parecer ambas correctas”. Faz parte da técnica de construção destas perguntas que “as opções tenham de ser semelhantes”, explica a docente.

Os efeitos da pandemia

Este exame realiza-se depois de dois anos em que os alunos passaram grande parte do tempo sem aulas presenciais por causa da pandemia. Carmo Oliveira considera que houve uma “perda gigante” na abordagem à obra de Camões: “Se já é difícil em sala de aula, imagine-se como foi à distância.”

A também professora de Português do secundário, Fátima Gomes, lembra que a parte que saiu no exame “é dada já no 9.º ano e repetida no 10.º”: “No caso destes alunos, pode ter sido apreendida de uma forma mais deficitária no 9.º ano, pois apanhou o período do primeiro confinamento geral. Devido à linguagem é sempre mais difícil para os alunos, como já se constatou em anos anteriores, mas continuo a achar adequado.”

Carmo Oliveira considera que o exame proposto é “adequado” às aprendizagens dos alunos, mesmo com o défice verificado na pandemia. E chama a atenção para um facto que é determinante: os exames apenas servirem como provas de acesso aos cursos do superior escolhidos pelos alunos.

Isto quer dizer, por exemplo, que a maior parte dos seus alunos dos cursos de Ciências do secundário, que habitualmente apostam tudo na Matemática e descuram o Português, porque querem ir para Medicina ou para engenharias, nem fizeram a prova desta sexta-feira. Tudo somado, e tendo a prova “sido muito acessível”, pensa que “as notas vão subir”.

Fátima Gomes, que também tem sido correctora de exames, concede que “a parte da educação literária tem uma certa exigência, mas devido ao poema da Mensagem. Os alunos têm sempre mais dificuldade na lírica e este é um poema da terceira parte da Mensagem, que é mais simbólica”. Mas adianta que aquilo que foi proposto no exame “não foge do que é ‘a mensagem da Mensagem’ e a figura e simbolismo de D. Sebastião é muito, muito explorado durante o estudo da obra, por isso tem de ser terreno familiar para os alunos.”

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