Mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira para fazer 815 mil toneladas de pellets, diz a Zero

Associação ambientalista acusa a indústria dos pellets de estar a explorar os recursos florestais de forma insustentável e, ainda, de estar a competir contra outros sectores que também necessitam da madeira e são mais importantes.

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Floresta de pinheiro-bravo (na foto) está "em declínio acentuado", avisa a Zero Tiago Lopes

A associação ambientalista Zero exige que o Governo português crie, imediatamente, uma moratória ao aumento da capacidade de produção de pellets, pequenos cilindros de madeira compactada que podem ser usados como combustível em caldeiras ou recuperadores de calor, aquecendo habitações. Referindo que a floresta se encontra numa posição débil em termos de recursos, a organização não-governamental (ONG) acusa a indústria dos pellets de ser ecologicamente insustentável. Refere, igualmente, que a mesma está a competir contra outros sectores que, utilizando também a madeira, “fabricam produtos de maior valor acrescentado e que mantêm o carbono sequestrado por muito mais tempo”.

A Zero tornou público, este sábado, o seu primeiro “barómetro anual sobre a indústria dos pellets em Portugal”. A associação ambientalista sublinha que, em território nacional, terão sido produzidas aproximadamente 815 mil toneladas de pellets em 2021. Para tal, foram necessários mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira. Cerca de 510 mil das 815 mil toneladas produzidas foram, em grande parte, exportadas para a Dinamarca, os Países Baixos e o Reino Unido, onde foram queimadas, “de forma ineficiente”, em centrais de biomassa para a produção de electricidade.

Existem em Portugal 26 fábricas de pellets, que, funcionando no pleno das suas capacidades, conseguem produzir mais de 1,7 milhões de toneladas de pellets por ano, estima a Zero, que, num comunicado enviado ao PÚBLICO, observa ainda ser “muito provável que, em 2022, se assista a um aumento significativo na produção”. Isto porque quatro fábricas, “com uma capacidade [de produção] combinada de quase 600 mil toneladas/ano”, reabrirão ou entrarão em funcionamento pela primeira vez. Posto isto, a capacidade nacional de produção de pellets aumentará 50% e colocar-se-á ainda mais pressão sobre os recursos florestais, “já de si depauperados e insuficientes para satisfazer a procura para as diferentes utilizações”, comenta a associação ambientalista.

Amigos do ambiente?

A Zero, que ao longo dos anos tem sido crítica da forma “insustentável” como o Governo vem a utilizar a biomassa como recurso energético, duvida, desta feita, que os produtores de pellets — que, “segundo a informação pública disponível”, já receberam “pelo menos 100 milhões de euros de financiamento público” desde 2008, aponta a ONG — sejam tão amigos do ambiente como dizem. “Apesar de a indústria dos pellets alegar que apenas os resíduos florestais e industriais são usados como matéria-prima, existem evidências de que os maiores produtores de pellets estão claramente dependentes de grandes volumes de rolaria ou secções do tronco de árvores, resultando numa pressão acrescida sobre a floresta”, pode ler-se no já referido comunicado.

“Ainda assim”, continua a associação ambientalista, “a indústria afirma que a queima de pellets é baixa em carbono e sustentável, com a alegação de que o novo período de crescimento das árvores reabsorve o carbono libertado no processo de queima, mas a verdade é que as emissões [de gases com efeito de estufa (GEE)] provenientes da combustão dos pellets são completamente ignoradas”. A Zero sustenta que, quando se queima madeira para produzir energia, as emissões de dióxido de carbono (CO2) são mais significativas do que quando se queima carvão.

“Nós não nos opomos à queima de resíduos florestais, contanto que ela aconteça só quando os resíduos já não possam ter outra valorização. Mas, pelas visitas que fizemos, alegamos que algumas fábricas de pellets estão a queimar muita rolaria de qualidade. Falta aqui transparência”, diz ao PÚBLICO Nuno Forner, da Zero. “As centrais de biomassa dizem que só estão a queimar rolaria de segunda, mas rolaria de segunda é matéria-prima de primeira para a indústria dos painéis aglomerados de partículas, bem como para a produção de cartão”, acrescenta, defendendo que os painéis aglomerados de partículas constituem “uma mais-valia económica”. “O seu valor é muito superior ao valor associado à produção de pellets. Estamos a falar de produtos que mantêm o carbono sequestrado por longos períodos de tempo”, frisa.

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Zero acredita que produtores de pellets estão a queimar "muita rolaria de qualidade", que é importante para a indústria dos painéis aglomerados de partículas, bem como para a produção de cartão Adriano Miranda

Boicote à energia russa complica o cenário

No comunicado a que o PÚBLICO teve acesso, é referido que “o pinheiro-bravo é a principal espécie usada pelos produtores de pellets”. “Em Portugal, a floresta de pinheiro-bravo está em declínio acentuado”, sobretudo devido aos incêndios, observa a Zero, asseverando que está a ser retirada das florestas mais madeira de pinho do que aquela que “pode ser extraída de forma sustentável”.​

E não se justifica, entende Nuno Forner, que descreve a indústria dos pellets como “pouco rentável”. “Há poucos postos de trabalho associados e o resultado final — que, muitas vezes, é exportado — é de baixo valor”, diz, argumentando que a construção de novas fábricas de pellets e/ou o apetrechamento das que já existem não deve ser alvo de subsidiação pública.

Comentando a actualidade, Nuno Forner teme que o boicote à energia russa, motivado pela guerra na Ucrânia, acabe por se traduzir num maior incentivo à utilização de biomassa. “Com este boicote à Rússia, há um conjunto de matérias-primas energéticas que deixa de vir de lá. E fala-se bastante dos combustíveis fósseis, mas importa não esquecer que os países nórdicos também dependiam do mercado russo”​ para obter biomassa florestal e, a partir da queima dessa biomassa florestal, produzir energia, reflecte o ambientalista.

Com o arrastar da guerra, continua Nuno Forner, “as centrais nórdicas começarão a olhar para outros mercados”, mais “apetecíveis” em termos de preços. “Portugal tem potencial de produção e, ao mesmo tempo, está próximo geograficamente”, pelo que encaixa no perfil procurado. Mais: “As centrais nórdicas têm uma subsidiação associada, pois produzem energia alegadamente renovável, e, por causa disso, estão à frente no mercado, isto é, conseguem pagar pelos resíduos florestais e pela rolaria valores que” os restantes actores ligados à indústria da madeira não conseguem colocar em cima da mesa.

Nuno Forner usa a palavra “​alegadamente”​ quando fala da energia produzida pelas centrais de biomassa no Norte da Europa pois ela “só é neutra em carbono depois de a floresta recuperar novamente” e de serem sequestrados os GEE libertados na sequência da queima dos recursos florestais. Sucede que, por um lado, “vão demorar algumas décadas até que seja novamente sequestrado todo o CO2 libertado” e, por outro, a madeira está a ser explorada de tal forma que a floresta não está a ter o tempo de que necessita para se regenerar.

Daí ser importante o Governo começar já a cortar com os incentivos à utilização de biomassa, afirma a Zero, que também defende, por exemplo, o aumento de “investimento público na gestão da floresta de pinheiro-bravo”. Nuno Forner diz ainda que devemos apostar em energias verdadeiramente renováveis”, como a solar, que “não está dependente da destruição da floresta”.

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