O desafio está lançado: alimentar a Grande Lisboa com menos impacto para o planeta

Área Metropolitana de Lisboa fez um compromisso com 29 entidades para seguirem um caminho de transição alimentar, num território que tem uma “forte dependência” de abastecimento externo. Até 2030, 15% dos alimentos devem ser produzidos de forma sustentável.

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Exemplo de horta vertical criada pela Upfarming, um empresa recente que quer preencher os vazios da cidade com hortas verticais rotativas Rui Gaudencio/Arquivo

Numa altura em que é urgente reduzir a emissão de gases com efeito de estufa e em que a invasão russa à Ucrânia tem mostrado a necessidade de colmatar a dependência externa de alimentos e matérias-primas, a Área Metropolitana de Lisboa (AML) quer aproveitar melhor os 38% (dos seus 3000 quilómetros quadrados) de território destinado à agricultura para promover uma verdadeira “transição alimentar”. Para já, há uma meta traçada: chegar a 2030 com 15% do aprovisionamento alimentar necessário à região produzido com recurso a modos sustentáveis como a produção biológica, a protecção integrada (que consiste em não fazer tratamentos por “calendário” com recuso a químicos) e agroecologia, a gestão da água para regadio, a redução de fitofármacos e conservação do solo e a criação de redes de distribuição com emissões reduzidas e de circuitos alimentares de proximidade.

É, pelo menos, esta a visão da Foodlink, a “rede para a transição alimentar” da Grande Lisboa e que foi oficialmente apresentada esta terça-feira. Por agora, várias entidades, públicas e privadas, comprometeram-se a assumir uma série de princípios para atingir este desígnio: adoptar práticas sustentáveis na gestão do solo, água, biodiversidade e energia, promover a economia circular, “atenta à adaptação climática, à criação de emprego, à promoção da saúde e do bem-estar”, e salvaguardar a dieta mediterrânica.

Como havia de lembrar a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), Teresa Almeida, esta é uma altura em que estamos a “viver um verdadeiro teste de stress” no que ao abastecimento alimentar diz respeito. Na AML, onde vivem cerca de 2,8 milhões de pessoas, há uma “forte dependência externa”, uma vez que cerca de 56% dos alimentos consumidos provêm de fora do país e 31% de outras zonas do território nacional, com elevados impactos em termos de pegada carbónica e ecológica.

“Nunca os circuitos curtos, a produção de proximidade e o combate ao desperdício fizeram tanto sentido. Agora ainda mais, com o desafio da escassez de recursos, do aumento dos preços dos fertilizantes e da gestão da água”, notou a responsável.

Na prática, o que estas entidades farão é planear e gerir este sistema alimentar, uma vez que “o território da AML ainda não integra o planeamento alimentar nas suas políticas de ordenamento e de desenvolvimento territorial”, refere a carta compromisso que assinaram. Por isso, além da definição de um plano para a alimentação da população da Grande Lisboa, as entidades deverão focar-se no incentivo à produção de proximidade, para que não sejam necessárias grandes redes de distribuição entre produtores e consumidores, valorizar cultivos locais e raças autóctones, criar uma marca própria que certifique os produtos FoodLink à escala regional e promover a redução do desperdício alimentar nos diferentes elos da cadeia alimentar.

As escolas — e a literacia alimentar — terão também aqui especial atenção. “Pretende-se caminhar para um sistema alimentar sustentável, resiliente e economicamente dinâmico, em sintonia com o protagonismo que os sistemas alimentares têm vindo a ganhar na agenda política internacional, no actual contexto global de crise económica, climática, pandémica e, mais recentemente, geoestratégica”, refere a AML.

Presente na sessão, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, considerou o projecto “inspirador”, salientando que planear o sistema de alimentação da maior área metropolitana do país “vai obrigar a uma reorganização profunda dos ciclos de produção”.

E avançou algumas ideias. “Se parte da produção tenham como destino escolas, hospitais, instituições que sirvam refeições à população mais desfavorecida é uma opção da maior importância que se traduz numa prática de inclusão e justiça social”, notou Ana Abrunhosa, salientando ainda que, na lógica da contratação pública, se deixa muitas vezes de “privilegiar a produção local” em detrimento de propostas que apresentam um preço mais baixo, mas que acabam por ter outros custos para a sociedade.

Falta ainda perceber que papel concreto terá cada um dos que se associaram ao projecto. Por agora, a carta de compromisso foi assinada por 29 entidades, entre elas a própria AML, a CCDR-LVT, a Associação Industrial Portuguesa (AIP), a Associação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Saloia (A2S), dez câmaras municipais da região (Almada, Amadora, Cascais, Loures, Mafra, Palmela, Sesimbra, Setúbal, Sintra, Vila Franca de Xira), o Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), a cooperativa Rizoma e a start-up Upfarming, entre outras. O Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa tem sido parceiro no desenvolvimento deste projecto.

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