“A grande maioria das autarquias não está preparada para os desafios” das alterações do clima

Dos transportes públicos à gestão da água, a Deco recebeu dezenas de sugestões de munícipes sobre o que melhorar a nível local. “O consumidor está pouco representado quando falamos de ambiente.”

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Miguel Manso
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Nelson Garrido

A maior parte dos municípios continua a não estar preparada para enfrentar as alterações climáticas e grande parte não divulga os seus planos de adaptação aos cidadãos, segundo uma iniciativa da Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor (Deco). Num novo balanço da análise lançada em Março, a responsável Susana Correia diz ao PÚBLICO que “a grande maioria das autarquias não está preparada para os desafios que correm”, mas já 30 câmaras deram a conhecer as suas medidas depois deste estudo. A Deco recebeu também propostas de 128 cidadãos sobre como melhorar o combate às alterações climáticas em vários municípios do país.

Segundo os dados divulgados em Março (que se mantêm), 55 dos 308 municípios portugueses não têm qualquer plano de adaptação e, ao todo, 227 não estão preparados para enfrentar as alterações climáticas. A Lei de Bases do Clima, que está em vigor desde Fevereiro, obriga que todos os municípios tenham até ao final de 2023 um plano municipal de acção climática aprovado.

No site da Deco, existe um mapa interactivo em que se podem ver os parâmetros avaliados em cada município: se divulgam os impactos das alterações climáticas no concelho, se indicam quais as medidas implementadas, se têm e disponibilizam no site o plano de adaptação às alterações climáticas e se fazem o cálculo da pegada ecológica do concelho. Com base nesses indicadores, é depois feita uma “avaliação global”.

“Entendemos que os municípios se devem preparar e devem constituir um fundo que proteja os consumidores e os seus bens face a fenómenos climáticos extremos”, defende a jurista da Deco Susana Correia. O valor do fundo deverá variar dependendo do grau de exposição do município aos riscos climáticos. Para isso, há que reunir conhecimento e saber de que forma é que cada região é afectada diferentemente pelas alterações climáticas. “Sabemos que os consumidores estão cada vez mais atentos e disponíveis para adoptar comportamentos, mas precisamos também que o Estado e os municípios desempenhem o seu papel”, remata a responsável por esta iniciativa.

Além disso, os planos de adaptação às alterações climáticas não devem ser intermunicipais, argumenta Susana Correia. Dá como exemplo o plano intermunicipal do Algarve, que “apresenta soluções para o município de Alcoutim ou de Albufeira, que são muito diferentes entre si”. O receio, explica, é que “um plano intermunicipal não proteja cada realidade”. Na última análise, eram 172 os municípios que tinham aderido a planos intermunicipais.

Que pedem os cidadãos?

Quando se fala de alterações climáticas e do que cada autarquia pode fazer, os cidadãos não devem ser esquecidos. Até porque “as alterações climáticas vão entroncar directamente em questões de direito do consumo: os transportes públicos, a habitação, a gestão de resíduos, a eficiência hídrica e a alimentação”, explica a jurista Susana Correia.

Mas os dados mostram que os munícipes ficam muitas vezes de fora. Segundo o estudo divulgado já em Março, a maior parte dos municípios (93%) não informa os cidadãos sobre as medidas que estão a ser aplicadas no concelho. “Se os municípios não informam, os consumidores também não sabem quais são os principais riscos que enfrentam”, refere Susana Correia. E ainda que 83% dos municípios tenham um plano de adaptação às alterações climáticas, a maior parte (80% dessas autarquias) não o disponibiliza para consulta no seu próprio site.

“Percebemos que há casos em que já existem medidas, mas elas não estão a ser comunicadas junto dos consumidores”, explica a responsável. “Muitos não sabem que projectos já estão em curso e qual será o impacto dessas medidas na sua vida diária.” Também é importante que essa divulgação seja feita com linguagem acessível. “Os consumidores devem ter as ferramentas e as informações necessárias para desempenhar o seu papel – quer num aspecto mais crítico quer de colaborar na transição climática”, defende a jurista. Na análise feita pela Deco, só 2% dos municípios divulgam a sua pegada ecológica.

A partir das 128 críticas e sugestões que foram recebendo dos cidadãos ao longo dos últimos dois meses, a Deco fará agora a “ponte” com os municípios. As sugestões estão sobretudo relacionadas com transportes públicos, com a redução de veículos nos centros históricos das cidades, ciclovias mais seguras, pontos de carregamento para veículos eléctricos ou, por exemplo, garagens de bairro para bicicletas, como foi proposto por um munícipe de Leiria. Há muitos que pedem mais ecopontos e em locais mais acessíveis, sobretudo fora de zonas urbanas, assim como incentivos das câmaras para a colocação de painéis solares nas habitações.

Como as alterações climáticas são um fenómeno tão abrangente e com uma grande variedade de efeitos, também as sugestões dos consumidores têm sido vastas. Mencionam também o combate a incêndios florestais (como sugerido em Arganil) e a prevenção de cheias e inundações (como referido em Tavira). Pedem-se mais jardins, uma melhor gestão da água, e há também “testemunhos de que os municípios devem reforçar os cuidados com as perdas de água na rede pública”. Também houve quem pedisse que as refeições escolares fossem feitas a partir de alimentos produzidos localmente.

No fundo, explica Susana Correia, os consumidores têm muitas visões distintas e devem participar na tomada de decisões das autarquias. “Porque aquilo que nós temos sentido é que o consumidor está pouco representado quando falamos de ambiente.”

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