Mulheres de Gaza podem denunciar anonimamente violência doméstica através de uma app

O aplicativo Masahatuna surge da necessidade de procurar aconselhamento de uma forma segura. “O medo é normalmente a principal causa pela qual as mulheres não contactam ou visitam centros [de apoio à vítima]”, explica a criadora.

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Ãté esta quinta-feira, 355 mulheres já tinham descarregado a aplicação Reuters/MOHAMMED SALEM

Uma aplicação para telemóvel que permite às mulheres em Gaza denunciar anonimamente casos de violência doméstica está a fazer com que um número crescente de vítimas procure ajuda. O aplicativo possibilita às vítimas escaparem da vergonha e das represálias que normalmente dissuadem muitas delas de irem directamente às autoridades.

Masahatuna (em tradução literal para português, Os Nossos Espaços) é o nome da aplicação desenvolvida pela engenheira informática local Alaa Huthut. À Reuters, explicou que a ideia surge da necessidade de procurar aconselhamento de uma forma segura numa sociedade onde as pressões familiares constantes escondem muitos casos de violência doméstica.

“A privacidade era muito importante [para o sucesso da aplicação], pois o medo é normalmente a principal causa pela qual as mulheres não contactam ou visitam centros [de apoio à vítima]”, explicou Alaa Huthut à Reuters.

Com isso em mente, o aplicativo possibilita que as mulheres se registem no serviço de apoio sem darem os seus nomes ou criarem um histórico dos seus contactos com os centros de assistência nos seus próprios telemóveis. “Se alguém olhar para o telemóvel não saberá se ela [a vítima] fez o contacto”, exemplifica a criadora da app.

O aplicativo possibilita que as mulheres se registem no serviço de apoio sem darem os seus nomes ou deixarem um rastro dos seus contactos Mohammed Salem/Reuters
41% das mulheres em Gaza enfrentaram violência doméstica em 2019 Mohammed Salem/Reuters
Para os grupos de direitos das mulheres é preciso fazer mais para acabar com a violência doméstica em Gaza Mohammed Salem/Reuters
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O aplicativo possibilita que as mulheres se registem no serviço de apoio sem darem os seus nomes ou deixarem um rastro dos seus contactos Mohammed Salem/Reuters

Kholoud Al-Sawalma, do Centro dos Media Comunitários de Gaza, revelou que, até esta quinta-feira, 355 mulheres tinham descarregado a aplicação e que 160 tinham contactado centros de ajuda que prestam apoio psicológico e jurídico.

​Quase metade das mulheres já sofreu abusos

A Faixa de Gaza, administrada na prática pelo grupo islamista Hamas, é o lar de cerca de 2,3 milhões de pessoas, quase metade das quais mulheres, de acordo com os registos palestinianos.

Em 2019, o Gabinete de Estatística Palestiniano informou que 41% das mulheres em Gaza já tinham sofrido de violência doméstica. É um problema que, como em muitos outros países, se agravou com os confinamentos decretados em resposta à pandemia, dizem grupos locais dos direitos das mulheres.

“Enfrentei violência verbal e física durante muitos anos”, confessou uma mulher de Gaza, com 28 anos, que pediu para não ser identificada. Após o seu divórcio, há dois anos, a mulher disse que enfrentou ameaças do seu ex-marido e da sua família, como a possibilidade de levarem o filho de 7 anos para longe dela.

No mês passado, um tribunal de Gaza decretou a pena de morte a um homem que espancou a sua mulher até à morte. Contudo, para os grupos de direitos das mulheres é preciso fazer mais para acabar com a violência doméstica em Gaza. Falam, por exemplo, em alguns casos de mulheres que denunciam abuso e que acabam por ser encaminhadas para os líderes de tribos locais para se resolver o problema.

Quando as mulheres acabam por morrer devido aos abusos, há situações em que alguns homens tentam escapar a punições mais severas acusando as suas parceiras de adultério ou de falsos problemas de saúde mental, segundo advogados locais.

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