Junta de Arroios quer devolver aos carros os lugares ocupados por esplanadas o mais depressa possível

Freguesia de Lisboa com mais esplanadas autorizadas durante a pandemia terá de devolver espaço aos carros no final de Setembro. Comerciantes criticam pressa da junta e pedem reavaliação da ordem. Falam em empregos em risco. Câmara de Lisboa diz ser errado falar em “esplanadas a mais” e promete ponderar questão.

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Esplanadas em Arroios que irão ser retiradas para voltarem a ser lugares de estacionamento de carros Nuno Ferreira Santos?

António Silva ainda se mostra descrente ante a mais que provável perspectiva de ter de desmontar a estrutura de esplanada instalada em Setembro passado, após um investimento de três mil euros. “Eles deviam ter em atenção o dinheiro que aqui gastámos. Ao menos, que alarguem o prazo por mais um ano, para eu poder pagar isto, ou então que paguem eles o dinheiro que aqui gastámos”, diz o gerente do café Rosa Choque, situado na Rua de Macau, naquele que continua a ser popularmente conhecido como Bairro das Colónias, nos Anjos. A esse valor, acrescem ainda os 600 euros que dera de sinal para o fabrico de um toldo a colocar sobre a esplanada. E do qual desistiu entretanto.

O “eles” é a Junta de Freguesia de Arroios, que, em Março passado, enviou um email a António e aos comerciantes de Arroios na mesma situação, informando-os de que a autorização extraordinária para a ocupação de lugares de estacionamento por esplanadas cessaria no final de Setembro. Isto apesar de a Câmara de Lisboa e a assembleia municipal terem aprovado, em Fevereiro passado, o prolongamento até 31 de Dezembro deste ano de uma medida com carácter excepcional, aliada à correspondente isenção do pagamento das taxas devidas e integrada no programa Lisboa Protege – criado para minorar as consequências económicas da pandemia de covid-19 e promover o distanciamento social.

Como António Silva, outros donos de estabelecimentos de hotelaria contestam agora a decisão de se pôr fim à permissão, embora quase todos soubessem desde o início que a mesma seria temporária. Não foi esse, todavia, o caso do proprietário do Rosa Choque, que garante ter sido incentivado pela junta de Arroios a colocar o estrado que serve de base à esplanada onde existia um lugar de estacionamento. “Antes da pandemia, pedi para pôr ali mesas e cadeiras, mas disseram-me que não podia ser por se tratar de uma zona residencial e os lugares serem necessários. Com a covid, funcionários da junta vieram ter comigo a dizer para fazer como está”, explica o empresário.

Tanto ou mais que uma atenção aos custos financeiros associados ao desmantelar das estruturas em madeira encomendadas para aproveitar a autorização excepcional sem que os mesmos tenham ainda sido amortizados , o que muitos empresários pedem é que agora se reavalie a necessidade de voltar à situação pré-pandémica. Por isso, lançaram esta semana uma petição pública nesse sentido.

Em Março passado, a Câmara de Lisboa confirmou a existência de 365 esplanadas temporárias, em 20 das 24 freguesias da cidade, ocupando 453 lugares de estacionamento. Todas têm autorização para funcionar até ao final de 2022 – apesar de em Arroios a ordem ser para libertar o espaço no fim de Setembro.

“Falei com os clientes e com os meus vizinhos, que me dizem que preferem a esplanada no lugar dos carros. É uma outra forma de ocupar o espaço público”, afirma Adélaïde Biret, dona do bar de vinhos O Pif, situado numa das esquinas da Rua Maria com a Rua Maria Andrade, e que ao final da tarde reúne uma clientela jovem e cosmopolita.

“Se tivermos que retirar a estrutura que montámos, vamos perder clientes, obviamente”, diz a empresária francesa, que abriu o estabelecimento, em Abril do ano passado, num espaço que anteriormente foi uma loja de velharias. O palanque de madeira sobre o qual assenta a esplanada tem 8,6 metros quadrados – semelhante a tantos outros que têm sido instalados pela cidade –, comporta uma dezena de pessoas e situa-se no lugar de um parqueamento de motos entretanto mudado para outro sítio e que “nem sequer era muito usado”.

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Nuno Ferreira Santos

Ao contrário de outros, Adélaïde diz “sempre ter tido muito claro que a autorização era temporária”. Mas agora pede uma reavaliação dos pressupostos. “Ainda não sabemos o que vai acontecer com a covid”, alerta. Para além disso, acha que as pessoas preferem desfrutar do espaço público, no que vê como uma mudança cultural. E não esconde que isso é melhor para o negócio. Tanto que se diz “disposta a pagar” para manter a esplanada como tem estado.

As pessoas começaram a habituar-se às esplanadas

Semelhante disposição tem Miguel Leal, do outro lado da rua, onde se situa o Maria Food Hub, aberto também durante a pandemia. “Sabíamos que esta autorização era temporária e ela facilitou-nos imenso a vida. Mas as pessoas também se começaram a habituar às esplanadas, já não se sentem bem em espaços fechados. Mesmo no Inverno, tivemos a esplanada cheia”, diz o gerente desta cafetaria instalada no lugar onde, em tempos, funcionou uma panificação. Entre os seus clientes há muitos jovens, mas também idosos, assegura, lembrando ainda a escassez de espaços verdes no bairro.

O empresário admite, por isso, ter ficado apreensivo ao receber a notificação para retirar a esplanada. Ainda enviou um email à junta a perguntar se havia possibilidade de negociar, mas ficou a saber que não. “É pena não haver sequer diálogo. Em todo o lado do mundo, estamos a assistir a uma promoção do espaço público e aqui parece que vamos no sentido contrário”, afirma. Mas há outro dado a ter em conta. O serviço de mesa no exterior, aliado ao do interior, permitiu manter um nível de facturação superior. “Damos trabalho a 16 pessoas. Isso também deveria ser tido em conta”, alerta, reconhecendo que o fim da esplanada poderá ter de levar à dispensa de parte da mão-de-obra.

Cenário idêntico ao de outro empresário da Arroios que prefere manter o anonimato, por ainda ter esperança na reversibilidade da medida anunciada pela junta. O pequeno espaço que abriu também no Verão passado apenas tem viabilidade com a esplanada, garante ao PÚBLICO, explicando que só assim consegue garantir o vínculo laboral de cinco funcionários. “Abrimos isto com as nossas economias e gastámos 3500 euros na esplanada. Tínhamos dúvidas, receios, mas inferimos que isto era para continuar. Fizemos o nosso plano de negócio com este pressuposto”, diz o responsável, asseverando ter sido a anterior presidente da junta, Margarida Martins (PS), a dar o incentivo para instalar a estrutura exterior.

Ao receber a notificação para libertar o espaço até ao final de Setembro, solicitou uma reunião à junta. Na mesma, ocorrida há duas semanas, e em que estiveram presentes a nova presidente da junta, Madalena Natividade (Novos Tempos), e um técnico da autarquia, ficou a saber que haveria meia centena de estabelecimentos na freguesia em situação idêntica. “Disseram-nos que era tudo para ir abaixo, porque a freguesia precisa desses lugares de estacionamento e consideram que tem esplanadas a mais.”

Avaliação confirmada pela junta de Arroios, em resposta escrita ao PÚBLICO, na qual refere que a freguesia “se situa numa zona de alta densidade populacional da cidade de Lisboa, que contém inúmeras ruas e arruamentos estreitos e onde a dificuldade de estacionar, de moradores e trabalhadores, é uma realidade diária”. A autarquia diz também ser do conhecimento geral que “a freguesia não tem parques de estacionamento de grande dimensão que consigam constituir alternativas ao estacionamento em via pública”. Tanto que se regozija com a recente “pequena vitória” de libertar seis lugares de estacionamento, junto ao Jardim Constantino, antes no usufruto da extinta esquadra da polícia.

Por isso, a junta confirma a intenção de acabar já em Setembro com as 43 esplanadas cuja autorização de ocupação do estacionamento havia sido concedida, a título excepcional, pela Câmara de Lisboa, em 2020. A junta garante que, desde o início, “foi publicamente e repetidamente esclarecido que tais ocupações do espaço público eram ‘a título precário’ e não representavam um compromisso permanente nem duradouro”. “Nunca o presente executivo de Arroios divulgou ou fez entender a quaisquer empresários que as medidas excepcionais de ocupação do espaço público poderiam de alguma forma tornar-se permanentes”, frisa. Existem, porém, outras seis esplanadas do mesmo género cuja licença era anterior e se manterão.

Câmara valoriza esplanadas

Questionada pelo PÚBLICO sobre a possibilidade de proceder à alteração da classificação de alguns desses espaços, para poderem assumir carácter definitivo de esplanadas ou até prorrogar o prazo do regime excepcional em vigor, a Câmara de Lisboa frisa, precisamente, o carácter singular e transitório do regime. Mas sublinha que, “até ao final deste ano, haverá certamente lugar a uma reavaliação da situação e uma decisão em conformidade”. Na resposta escrita, não deixa, porém, de considerar a “existência de novas esplanadas e a dinamização do comércio ao ar livre uma tendência positiva para a economia e para a vida da cidade”.

Tanto que a essa realidade será tomada em linha de conta na decisão a tomar. A mesma, bem como outros factores, terão de ser sempre “ponderados em conjunto no contexto de tomadas de decisões futuras e definitivas”, frisa a autarquia liderada por Carlos Moedas. “Como tal, não é um bom princípio que se desqualifique genericamente qualquer actividade económica como excessiva ou ‘a mais’”, refere a mesma resposta escrita, contrariando assim a alegada opinião da junta de Arroios. E aponta para a necessidade de “ponderar todos os diferentes interesses da cidade e acautelar e acomodar na medida do possível os efeitos mais penalizadores de cada actividade”.

Uma posição de cautela, idêntica à da Câmara de Lisboa, tem a Junta de Freguesia de Santo António, onde 33 esplanadas funcionam extraordinariamente onde antes estacionavam 39 automóveis. Em resposta ao PÚBLICO, o presidente da autarquia reconhece a dificuldade de equilibrar os interesses de moradores e comerciantes, sobretudo numa área com situações tão díspares como Avenida da Liberdade e Rua de São José, mas promete “analisar cuidada e individualmente cada caso e sugerir uma solução para cada um deles”. Desta análise deverá sair a decisão sobre a viabilidade e continuidade dos diversos casos das esplanadas provisórias, promete Vasco Morgado (PSD).

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Salientando que a decisão de prolongamento da autorização até Dezembro partiu da câmara, a Junta de Freguesia da Penha de França garante ter registado “uma redução mínima de lugares de estacionamento de forma a tentar garantir a manutenção de empregos e de actividades económicas na freguesia”. As 31 esplanadas com permissão extraordinária correspondem a 25 lugares de estacionamento temporariamente indisponíveis. Dizendo-se disponível para colaborar com “uma solução que vá ao encontro do melhor para as pessoas e comerciantes”, a junta lembra, porém, que, nos últimos dois anos, foram criados 87 novos lugares de estacionamento na freguesia, incluindo seis para motociclos. Algo conseguido com a reorganização e criação de novos espaços e, no caso da Rua Nélson Barros, com a intervenção da EMEL. Ao PÚBLICO fonte da junta de S. Vicente garantiu que “não haverá prolongamento” da autorização, devido à escassez de estacionamento na freguesia.

Porto mantém esplanadas

Desde o início da pandemia foram muitas as novas esplanadas que surgiram no Porto. Em Dezembro do ano passado, existiam 598 esplanadas licenciadas, e 172 ocupavam lugares de estacionamento. Em 2019, antes da pandemia, estavam autorizadas 223 esplanadas. Feitas as contas o município licenciou durante a pandemia mais 375 esplanadas.

No final do ano passado, a autarquia definiu que no início de 2022 seriam levantadas as isenções municipais para os estabelecimentos que quisessem montar esplanada. Desde Janeiro, passaram a ser cobradas taxas aos espaços com mesas e cadeiras montadas na via pública, à luz dos valores previstos no código regulamentar do município. Todavia, a câmara prolongou por mais um ano a autorização que torna possível instalá-las em lugares de estacionamento, praças, largos e pracetas; no três últimos casos, o estabelecimento comercial e a esplanada não têm de estar espacialmente contíguos, podendo existir um canal de circulação rodoviária, mas apenas de um sentido, como acontece, por exemplo, na Praça dos Poveiros.

Ao PÚBLICO a autarquia reitera agora que irá manter as esplanadas em lugares de estacionamento, sem adiantar, para já, um prazo definido para que sejam retiradas. A regra permanece: “Um lugar de estacionamento ocupado com esplanada por estabelecimento.” Porém, actualmente, o número de esplanadas que existem no mesmo sítio onde antes se estacionava desceu de 172 para 146. Com André Borges Vieira

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