Uma bomba chamada carbono

Numa altura em que a Europa pretende acelerar ainda mais a adoção de renováveis, as maiores companhias petrolíferas preparam-se para gastar 103 milhões de dólares por dia, até ao resto da década, para explorar novos locais de extração de combustíveis.

Enquanto uma parte do mundo está empenhada em travar as alterações climáticas – tentando impedir que o aumento da temperatura média do planeta vá além de 1,5º graus celsius –, há quem continue a engendrar, discretamente, planos megalómanos para exploração de energia de base fóssil, estratégia à qual a APREN se opõe.

Um trabalho de investigação do jornal The Guardian revela que existem planos para dezenas de projetos de petróleo e gás, uma autêntica “bomba de carbono” que levaria a impactos globais catastróficos.

Os planos de expansão de curto prazo da indústria de combustíveis fósseis envolvem o arranque de projetos que produziriam gases com efeito de estufa que equivalem a uma década de emissões de CO2 da China, o maior poluidor do mundo.

Esses planos resumem-se a 195 grandes “bombas de carbono”, como são citadas na investigação jornalística, que mais não são que gigantescos projetos baseados em combustíveis poluentes que resultariam em milhões de toneladas de emissões. 60% destas unidades já começaram a operar.

As maiores companhias petrolíferas preparam-se para gastar 103 milhões de dólares por dia, até ao resto da década, para explorar novos locais de extração de combustíveis que não poderão ser usados, caso a humanidade queira limitar o aumento do aquecimento global.

A Rússia e o Médio Oriente estão associados aos grandes investimentos nestas áreas, mas atualmente os maiores planos de expansão são liderados pelos Estados Unidos da América, Canadá e Austrália. Estes países estão também entre as economias que mais subsidiam os combustíveis fósseis, o que, para a APREN, é um contrassenso absoluto, sendo que estes três países já declararam 2050 como data máxima para serem neutros em CO2. No que se refere à Rússia e Médio Oriente, não deveremos ficar surpreendidos com esta postura.

Na 26.ª Cimeira do Clima da ONU, em novembro de 2021, anunciou-se a primeira iniciativa diplomática mundial focada na eliminação da exploração de combustíveis fósseis: Beyond Oil & Gas Alliance, ou BOGA. Quando se pensava que a expressão “eliminação do uso do carvão” seria a grande vitória deste encontro, uma emenda de última hora, proposta pela China e Índia – o terceiro maior poluidor do mundo –, modificou o texto preliminar. Em vez de “eliminação”, tal como na proposta inicial, passou a constar “redução gradual”. Este recuo demonstra a enorme dependência de muitos países deste combustível fóssil que importa eliminar com vista à descarbonização global.

Os planos destas bombas de carbono citadas pelo The Guardian, criadas em contracorrente face ao que são as indicações científicas, envolvendo as maiores empresas de combustíveis fósseis ao nível global, não têm em consideração que as ações planeadas inviabilizam a vida no planeta tal como a conhecemos.

As conclusões dos cientistas são claras. O sofrimento humano será inevitável se não existirem mudanças radicais para reduzir os fatores que contribuem para as alterações climáticas. Os relatórios mais recentes do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alteração Climáticas) alertam para a necessidade de agir o quanto antes para limitar o aumento da temperatura global. O secretário-geral das Nações Unidas chamou-lhe um “alerta vermelho”. É necessário reduzir para metade as emissões até 2030.

Limitar o aquecimento global exige grandes transições no setor energético, desde logo uma redução substancial no uso de combustíveis fósseis, eletrificação generalizada, melhor eficiência energética e uso de combustíveis alternativos, como é o caso do hidrogénio verde e outros gases combustíveis renováveis.

Em Portugal, mais do que ponderar a exploração de mais combustíveis fósseis, urge continuar a apostar nos recursos endógenos que podem gerar eletricidade verde com menores custos para as famílias e para o ambiente.

Não poderiam ser mais atuais os dois temas que mais colocam em risco a humanidade e estes são, sem dúvida, a utilização de armas de destruição em massa e as alterações climáticas provenientes do aumento da temperatura média do planeta. Ora, ambas podem ser mitigadas com a mesma ferramenta, a descarbonização da economia baseada numa transição energética para as energias renováveis, sendo que estas, através da sua conversão em eletricidade renovável e gases renováveis, contribuem, simultaneamente, para a redução de conflitos geoestratégicos e para a redução de emissões de CO2.

Quando os países forem energeticamente sustentáveis e independentes, os combustíveis fósseis deixarão de poder ser usados como arma de chantagem de regimes ditatoriais e autocráticos sobre países soberanos democráticos.

Apostar na descarbonização, rumo a uma economia sem combustíveis fósseis, acautelando a justiça climática e a solidariedade social, é assumir que se está do lado certo da história.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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