ICOM-Portugal critica atraso e resultados de concursos para direcção de museus nacionais

Comissão nacional do Conselho Internacional de Museus sugere ainda à Direcção-Geral do Património Cultural que repense a forma como são constituídos os júris.

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O Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, tem já um director seleccionado no âmbito destes concursos Nelson Garrido

A comissão nacional do Conselho Internacional de Museus (ICOM-Portugal) criticou, num parecer divulgado esta semana, os atrasos dos concursos para directores de museus nacionais, a constituição dos júris e o “favoritismo” que os resultados “aparentam”.

Os concursos internacionais para directores de museus, palácios e monumentos nacionais afectos à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) abriram em Maio de 2020 e dividiram-se em duas fases.

Dos 18 espaços com concursos concluídos, falta ainda anunciar os resultados para o Museu Nacional da Música e para o Mosteiro de Alcobaça, o que reflecte um “atraso de três anos”, aponta o ICOM-Portugal, referindo-se ao processo de selecção de directores que decorre da entrada em vigor do regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, monumentos e palácios, em 2019.

“De referir ainda que estes concursos não abrangeram o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, em Tomar, nem o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, cuja abertura ainda não teve inexplicavelmente lugar”, aponta este organismo.

Para a direcção da comissão nacional deste conselho, presidida por Maria de Jesus Monge, “a incapacidade demonstrada pela DGPC na conclusão atempada dos concursos e, passados vários meses (nalguns casos quase um ano), o incumprimento relativo à assinatura dos contratos programa, que deveria ocorrer até 90 dias depois da entrada em funções dos vencedores dos concursos, são confirmações adicionais da dificuldade da [própria] DGPC em concretizar projectos”.

O ICOM considera também que “a percepção pública de falência de recursos a todos os níveis e de inoperância administrativa, justificam a falta de interesse revelada pelo baixo número de candidaturas” apresentadas a estes concursos. Este aspecto é, no entender do braço português do Conselho Internacional de Museus, outro motivo para reflexão.

A DGPC anunciou em Dezembro que tinha recebido 146 candidaturas, entre as quais as de 32 cidadãos estrangeiros, “um número diminuto, tendo em conta a quantidade de concursos abertos”, apontou o ICOM-Portugal. No mesmo parecer, aquela estrutura realça ainda que “muitos dos candidatos estrangeiros, na sua maioria brasileiros, não foram considerados elegíveis para participar no concurso, devido a não lhes terem sido reconhecidas as suas habilitações académicas”.

Para a direcção deste organismo que representa os profissionais dos museus, as candidaturas “foram manifestamente reduzidas”, sobretudo quando comparadas com as apresentadas a alguns dos concursos abertos para a direcção de outros museus, como os que pertencem ao universo da Empresa de Gestão de Equipamentos de Animação Cultural (EGEAC), da Câmara Municipal de Lisboa.

“Porque será que os museus e palácios nacionais se tornaram tão pouco atractivos?”, pergunta a comissão nacional do ICOM, fazendo notar em seguida que os concursos com menos candidatos a director foram aqueles em que o actual responsável também entrou na corrida. No entender do ICOM-Portugal, “a forma como a avaliação foi feita favorece manifestamente quem está dentro da instituição, particularmente os directores”.

Por isso, a direcção de Maria de Jesus Monge sugere que, em futuros concursos, “seja dado um maior peso e valorizada a experiência profissional em museus, nomeadamente aspectos práticos como gestão de colecções, conservação, organização e comissariado de exposições e experiência com públicos”. Só assim será possível “avaliar candidatos e competências sem o viés do conhecimento interno, tornando mais aliciante a candidatura”, argumenta o ICOM-Portugal.

Quanto aos júris dos concursos, a sua composição “tornou evidente o peso excessivo da universidade”: entre os quatro membros de cada júri nunca houve mais do que dois profissionais de museus, não contando com o representante da DGPC enquanto presidente do júri, “sendo que na maioria dos casos apenas existiu um”, pode ler-se no documento. “Este aspecto acabou por ter reflexos na escolha, sobretudo nos casos onde não havia uma candidatura do anterior director”, acrescentou o ICOM.

No já referido parecer, em que o ICOM-Portugal faz saber que vários membros dos seus corpos sociais e da direcção nacional fizeram parte de alguns dos júris, este organismo sublinha que, finda a maioria dos concursos, se “fica com a sensação de que se privilegiou preferencialmente as valências académicas e literárias, em detrimento das capacidades inerentes à experiência museológica e às práticas museográficas”.

Nesse sentido, o ICOM-Portugal recomenda que se reequacione a forma como são constituídos os júris, aumentando o número de profissionais seniores provenientes de museus ou de associações de profissionais, como o próprio ICOM-Portugal, a Associação Portuguesa de Museologia (APOM) ou o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS).

Quando o novo regime jurídico de autonomia de gestão dos museus entrou em vigor, em Junho de 2019, mais de metade dos directores dos museus e monumentos da DGPC ficaram em regime de substituição, a aguardar concurso.

No quadro do novo regime, os directores passam a ser recrutados através de concursos públicos, entre candidatos com vínculo ou sem vínculo à administração pública, em Portugal ou no estrangeiro, para comissões de serviço de três anos, com a limitação máxima de dez anos.

No longo documento divulgado, o ICOM-Portugal propõe que seja feita “uma avaliação de todo o procedimento concursal, com resultados a serem apresentados no Conselho Geral de Museus, Palácios e Monumentos e na secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial”.

Genericamente, a direcção da comissão nacional deste organismo considera que o decreto-lei da autonomia dos museus “veio devolver ao panorama museológico nacional a esperança de finalmente ver dotadas as instituições museológicas de referência com condições para cumprir a missão que lhes é cometida”, e defende que a lei seja cumprida.

A Lusa contactou a DGPC para obter uma reacção a este documento, sem resposta em tempo útil.

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