Vanuatu bate-se por leis que protejam da crise climática — e tem o apoio de 1500 organizações

Nação insular quer que Tribunal de Haia emita um parecer sobre o tipo de leis que deve ser criado para proteger países especialmente susceptíveis à crise climática — e obrigar as nações ricas a evitar que as suas emissões prejudiquem as mais desfavorecidas.

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A nação insular de Vanuatu foi atacada de forma violenta pelo ciclone Pam, em 2015 EDGAR SU/Reuters

Enquanto planeia pedir ao Tribunal de Haia para formular um parecer consultivo sobre o tipo de leis que deve ser posto em prática para proteger países especialmente susceptíveis à crise climática e os seus cidadãos, Vanuatu conseguiu obter o apoio de 1500 organizações da sociedade civil de mais de 130 países. Associações como a 350.org, a Greenpeace Australia Pacific, a Oxfam in the Pacific, a Pacific Islands Climate Action Network e a Vanuatu Climate Action Network, por exemplo, celebraram, na última semana, a criação de uma aliança que apoia a iniciativa daquela nação insular — que, por ser uma nação em desenvolvimento e estar isolada em termos geográficos, está muito exposta aos efeitos da subida do nível do mar.

Foi no segundo semestre de 2021 que Vanuatu anunciou pela primeira vez a intenção de pedir ao Tribunal de Haia, o principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), para emitir um parecer consultivo (que não tem carácter vinculativo) sobre os direitos que podem ser criados para proteger comunidades desfavorecidas das alterações climáticas e, similarmente, as leis que devem ser desenvolvidas para os países estarem obrigados a evitar que as suas emissões de gases com efeito de estufa prejudiquem outras nações.

Essa intenção foi anunciada alguns meses antes do arranque da COP26, cimeira do clima que decorreu entre 1 e 12 de Novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia. “As consequências terríveis da mudança do clima já não podem ser ignoradas. A crise climática está a provocar a subida das águas do mar, a desertificação, o alastramento de doenças, inundações, ciclones, furacões e outros fenómenos meteorológicos extremos”, disse, então, o primeiro-ministro de Vanuatu, Bob Loughman.

Em 2015, a nação insular foi atacada de forma violenta pelo ciclone tropical Pam, que, só em Vanuatu (apenas um dos vários países devastados), terá resultado no realojamento de cerca de 65 mil pessoas, bem como na destruição de aproximadamente 17 mil edifícios. Segundo a Al Jazeera, o fenómeno catastrófico provocou perdas financeiras na ordem dos 426 milhões de euros, fragilizando ainda mais uma nação em desenvolvimento que não tem os recursos económicos para investir na construção de infra-estruturas que protejam a população de forma mais eficiente.

Aliança deverá criar pressão positiva

Para o Tribunal de Haia realmente emitir um parecer consultivo, a iniciativa de Vanuatu tem de conseguir pelo menos 97 votos na 77.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, que acontecerá entre 13 e 27 de Setembro deste ano em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Ao jornal britânico The Guardian, a advogada Fleur Ramsay, especialista em direitos de comunidades indígenas e legislação ambiental, afirma que a aliança que foi celebrada recentemente pelas 1500 organizações da sociedade civil é muito importante. O facto de “o peso destas organizações” estar agora ligado à iniciativa “pressionará outros Estados” a juntar-se à onda de apoio, acredita.

Fleur Ramsay lembra que esta não é a primeira vez que uma nação insular em desenvolvimento e banhada pelo oceano Pacífico tenta alertar a comunidade internacional para a necessidade da criação de leis que protejam cidadãos e países especialmente expostos às alterações climáticas. Em 2011, o arquipélago do Palau e as ilhas Marshall também tentaram pedir ao Tribunal de Haia para fazer o que agora Vanuatu deseja que o órgão judicial faça. “A mudança do clima é o maior desafio que o nosso planeta enfrenta hoje. No período de uma geração, a subida do mar ameaça engolir países inteiros, bem como as suas histórias, línguas e culturas únicas”, disse em 2012, numa conferência de imprensa das Nações Unidas, o então Presidente do Palau, Johnson Toribiong.

Tuvalu também tem feito o que pode para puxar pela assertividade dos países ricos. Na COP26, o ministro dos Negócios Estrangeiros dessa nação insular, Simon Kofe, discursou no mar, com as calças arregaçadas e a água pelos joelhos. Foi a sua forma de mostrar quão dramática é a luta que Tuvalu trava contra a subida do nível médio das águas do mar.

Tuvalu é um de vários países insulares que, por serem de muito baixa altitude, têm dificuldade em resistir à erosão da costa. No final de Abril, o director da associação ambientalista Tuvalu Climate Action Network, Richard Gorkrun, garantia ao PÚBLICO que oito ilhotas em Tuvalu (Kalilaia, Maika, Niuelesolo, Teafatule, Teafualoto, Teafuave, Tepukasavilivili e Vasafua) já foram engolidas pelo oceano. Em Kiribati, outra nação fustigada pela crise climática, também há territórios em situação crítica. Grande parte da população que vivia na aldeia de Tebunginako já teve de se realojar noutras zonas do país insular.

Caso a moção de Vanuatu seja votada favoravelmente na Assembleia Geral da ONU e o Tribunal de Haia emita o parecer consultivo, tratar-se-á disso mesmo: uma análise não vinculativa. Não se traduzirá, de forma automática, na formalização de quaisquer leis. Mas o envolvimento de um órgão judicial com o peso do Tribunal de Haia pode ser preponderante, ajudando ao desenvolvimento de um quadro legislativo real.

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