Lucília Gago diz que decisão do Tribunal Constitucional sobre metadados é nula

Numa decisão pouco habitual, senão inédita, procuradora-geral da República assina peça processual a contestar decisão tomada no mês passado pelos juízes do Palácio Ratton. Procuradores junto do Tribunal Constitucional desistiram de reclamar porque a possibilidade de sucesso era nula. Milhares de processos-crime podem estar em causa

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Daniel Rocha

A procuradora-geral da República entende que a decisão do Tribunal Constitucional que anula várias normas da lei dos metadados é nula. Numa decisão pouco habitual, senão mesmo inédita, a representante máxima do Ministério Público assina uma peça processual que deu entrada esta segunda-feira no Palácio Ratton a arguir a nulidade da decisão tomada pelos juízes deste tribunal no mês passado.

Segundo uma nota informativa da Procuradoria-Geral da República, Lucília Gago considera “existir contradição entre a fundamentação e o juízo de inconstitucionalidade que recaiu” sobre um dos artigos da lei dos metadados, “em particular no que concerne à conservação dos dados de base e IP”. O IP é um número único atribuído aos dispositivos ligados à Internet, sejam computadores, telemóveis ou tablets.

Além disso, a procuradora-geral da República “requereu a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a fixação de limites aos efeitos da mesma, requerendo que seja declarada a eficácia apenas para o futuro”.

Como o PÚBLICO noticiara esta segunda-feira, os procuradores junto do Tribunal Constitucional acabaram por desistir de reclamar da decisão tomada pelo plenário do órgão a 19 de Abril, já que a mesma foi subscrita por 11 dos 12 juízes, e a possibilidade de sucesso da reclamação era, por isso, nula. A declaração do TC significa que essas normas são “apagadas” do ordenamento jurídico retroactivamente, como se nunca tivessem existido. Tal pode pôr em causa milhares de processos-crime em que esses metadados sejam ou tenham sido prova essencial.

As normas da lei dos metadados permitem a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

O Constitucional considerou que, ao não se prever que o armazenamento desses dados ocorra num Estado-membro da União Europeia, “põe-se em causa o direito de o visado controlar e auditar o tratamento dos dados a seu respeito” e a “efectividade da garantia constitucional de fiscalização por uma autoridade administrativa independente”. Por outro lado, entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.

Apesar de ter caído agora como uma bomba, a verdade é que pelo menos desde 2014 que a Lei 32/2008 estava ferida de morte. Daí que desde então tenha havido vários alertas e até decisões da Comissão Nacional de Protecção de Dados que se recusava a aplicar a lei, por considerar que a mesma violava o Direito da União Europeia (UE).

Em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que a directiva que a Lei 32/2008 transpunha era inválida por violar normas da Carta dos Direitos Fundamentos da UE. E apesar de essa decisão não ter um efeito automático no ordenamento jurídico português, já que as directivas têm que ser transpostas pelos Estados-membros, o que permite alguma margem de manobra na forma como cada um legisla uma determinada matéria, a verdade é que já se conhecendo, nessa altura, os termos em que a directiva tinha sido transposta para a legislação nacional, era possível antever que havia problemas graves com algumas normas que violavam claramente as linhas vermelhas estabelecidas pelo Tribunal de Justiça da UE.

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