Lei do aborto nos EUA: o que significa a decisão do Supremo Tribunal? E o que vai acontecer a seguir?

Se o Supremo Tribunal dos EUA reverter a decisão no caso Roe vs Wade, é de esperar que mais de metade dos estados do país (26 dos 50) avancem para proibir ou restringir fortemente o aborto.

Foto
Os protestos contra a esperada decisão do Supremo Tribunal já começaram Reuters/STRINGER

O primeiro rascunho de uma decisão do Supremo Tribunal, esperada para Junho ou Julho, que vai no sentido de anular uma outra que, na prática, estabelece o direito das mulheres norte-americanas a abortarem, por sua escolha, está a abalar o país liderado por Joe Biden. Apesar de a maioria dos norte-americanos ser favorável ao aborto, os juízes de maioria conservadora estão perto de tomar uma decisão contrária a esse sentimento, remetendo a decisão para cada um dos estados. Isto significaria que mais de metade desses estados iria, muito provavelmente, avançar para a ilegalização do aborto.

O que é Roe vs Wade?

É o nome de um caso judicial, que opôs uma mulher de 25 anos, identificada com o pseudónimo Jane Roe às leis sobre o aborto do Texas, em 1965. Wade era o nome do procurador que representou o estado. Grávida do terceiro filho, e alegando ter sido violada, a mulher desafiou as leis anti-aborto texanas, argumentando que eram anticonstitucionais. Roe perdeu na primeira instância e teve a criança, mas recorreu e o Supremo Tribunal decidiu em 1973, que o Estado não tinha o poder de proibir o aborto e que o direito da mulher a fazê-lo estava protegido pela Constituição. Na prática, esta decisão estabeleceu o direito das mulheres norte-americanas a abortarem, sobrepondo-se às leis estaduais sobre esta matéria.

O que é que se está a passar agora?

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos está a analisar um caso que contesta a proibição do aborto após as 15 semanas, no estado de Mississípi. Se o estado ganhar, a decisão de 1973 é anulada. E esta semana o jornal Politico divulgou o que será o primeiro rascunho da decisão dos juízes, maioritariamente conservadores e três dos quais apontados por Donald Trump, que aponta nesse sentido. O documento ainda pode sofrer alterações e a decisão final só é esperada para Junho ou Julho, mas as posições recentes dos juízes, em termos relacionados com o aborto, levam os analistas a acreditar que a protecção ao aborto garantida pela decisão de Roe vs Wade pode mesmo ser revogada.

O governo federal não pode intervir?

Desde a decisão de 1973 que o governo federal não conseguiu ter apoio suficiente no Congresso para legislar sobre esta matéria. É necessário que 60 membros dos 100 do Senado norte-americano se ponham de acordo, para fazer avançar medidas nesse sentido, e com a divisão praticamente ao meio entre Democratas (geralmente mais a favor do aborto) e Republicanos (na sua maioria contra), o processo acaba sempre emperrado.

E o que pensam os norte-americanos sobre o aborto?

A vasta maioria dos norte-americanos é a favor do aborto, em percentagens que têm andado acima dos 60% e chegam perto dos 70%, não variando muito desde 1973.

Se Roe vs Wade for anulado, o que é que acontece a seguir?

A decisão do Supremo Tribunal nesse sentido não anula, automaticamente, o direito ao aborto no país, antes remete para cada um dos estados a decisão nessa matéria. A expectativa é que, nesse caso, mais de metade dos estados do país (26 dos 50) avancem para proibir ou restringir fortemente o aborto tão rápido quanto possível. A forma como isso será feito varia de estado para estado - há alguns que poderiam, simplesmente, repor as leis anti-aborto que existiam antes da decisão de 1973, há 13 que prevêem a entrada em vigor automática de uma lei a proibir o aborto e outros que poderiam avançar com nova legislação. É também previsível que essas acções sejam alvo de várias contestações judiciais, que poderão arrastar-se no tempo.

Quem será mais afectado por uma revogação de Roe vs Wade?

A eventual proibição do aborto em alguns estados não vai acabar com a sua realização. As mulheres que residam nesses locais podem, caso a gestação seja inferior a 10 semanas, abortar com recurso a medicação (que terá de ser adquirida noutros locais) ou deslocar-se a estados onde a interrupção da gravidez seja permitida e realizar aí o procedimento. Como é óbvio, as mulheres com menos recursos financeiros serão as mais afectadas, desde logo porque podem não ter meios para viajar, por vezes, milhares de quilómetros, para um local onde possam abortar legalmente. Também se espera que possa haver um efeito em cascata, com as mulheres que vivem nesses estados a sofrerem esperas mais longas, por causa da deslocação para os seus espaços de residência de grávidas que procuram terminar a gravidez de forma legal.

A confirmar-se a decisão do Supremo Tribunal, ela pode levar a outras mudanças?

Teme-se que assim seja. O próprio Presidente Joe Biden já o verbalizou. O receio é que direitos como a contracepção ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo venham a sofrer retrocessos.

Sugerir correcção
Ler 17 comentários