No Dia da Mãe, as mães não querem prendas

As mães estão exaustas. E, ao contrário do que se poderia pensar, não são os filhos que mais as cansam.

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Maria acorda neste domingo, Dia da Mãe. Não dorme uma noite seguida há várias semanas, entre o desfralde do filho mais novo e os pesadelos da mais velha, que acorda de noite a chamar pela mãe. Sempre pela mãe. E a mãe lá vai, uma vez e outra. Tantas ao longo das noites.

Mas hoje é diferente. Sem que Maria se desse conta, fruto do cansaço acumulado, os filhos trouxeram-lhe o pequeno-almoço à cama. Hoje há mimos e presentes. A família vai passear e almoçar fora, hoje não há loiça para a mãe lavar nem a casa para limpar. Hoje é dia de descanso. Hoje é Dia da Mãe. E Maria sorri e agradece as prendas que os filhos lhe dão, sabendo que o Dia da Mãe são todos os dias e que o descanso que tem neste primeiro domingo de Maio, em que todos a mimam e cuidam, não chega para colmatar os outros 364 dias sem pausas e sem férias.

As mães estão exaustas. E, ao contrário do que se poderia pensar, não são os filhos que mais as cansam; aliás, muitas vezes, é nos filhos que elas encontram energia e razões para continuar, um dia após o outro. Não, a maternidade não é a parte mais exaustiva da vida de uma mulher. A parte mais exaustiva é a conciliação da maternidade com todos os outros papéis que uma mulher tem na sociedade actual. É que as mães não são só mães; também são donas de casa, profissionais, mulheres, sendo esperado que dêem o máximo de si em cada uma destas áreas, como se todas as outras não existissem.

E as mães, verdadeiras mulheres independentes do século XXI, mas carregando o peso da herança de um país patriarcal e tradicional, acumulam papéis, funções, tarefas, responsabilidades, muito para além do limite exigido a outras pessoas, nomeadamente aos pais. Porque os pais, já sabemos, “ajudam”. E que “sorte” têm as mulheres cujos maridos as ajudam em casa ou a tomar conta dos filhos, como se as tarefas domésticas ou o cuidar das crianças não fossem responsabilidade de ambos.

Começa logo na maternidade, assim que acabam de parir. Passam pelo processo mais transformador e extenuante da sua vida até então e, nem uma hora depois, espera-se que a mãe já ande por ali fresca e fofa a dar de mamar, a trocar fraldas e a seguir com a sua vida, sem parar para tomar conta do seu corpo e da sua mente que tanto deram de si. Sem sequer ter tempo para pensar nas suas necessidades, nos seus sonhos e desejos.

Não há ser mais resiliente e mais adaptável que uma mãe. Mas é essa sua capacidade que mais a prejudica. Essa abnegação em prol dos outros, esse sentido de cuidadora que é mãe dos filhos e do marido e dos pais e até dos colegas no trabalho. A mãe é a cuidadora, mas quem é que cuida da mãe?

Em 2019, a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) divulgou o estudo “Quem são, o que pensam e como se sentem as mulheres em Portugal”, de onde retiro esta conclusão “Quando as mulheres vão acrescentando frentes à sua vida [...], as horas de que dispõem para si próprias, quer tempo para dormir, quer tempo em que estão acordadas, vão‑se reduzindo”. Ou seja, à medida que a mulher acumula papéis na sua vida, vai dando cada vez mais de si, sendo que as mulheres que menos tempo têm para si próprias são as mães. Diz ainda o estudo que a colaboração dos homens nas tarefas domésticas diminui com a chegada dos filhos (de 27% para 24%), criando assim uma carga de trabalho acrescida na mãe.

O trabalho não remunerado levado a cabo pelas mães, a par da carga mental elevadíssima de quem tem de gerir todos os aspectos da vida familiar, fazem com que muitas mães se sintam no limite e, consequentemente, infelizes (51% das mulheres abordadas no estudo da FFMS disse que a sua vida está abaixo ou muito abaixo das expectativas que tinham).

É por isso que é tão urgente quebrarmos este ciclo que passa de geração em geração. E que começa na própria mãe. A mãe é a cuidadora, mas tem de assumir a sua importância no seio familiar e tem de cuidar de si com o mesmo afinco com que cuida de todos. Se é fácil? Não. Mas é necessário. Por si, pela sua saúde e bem-estar, mas também pelo exemplo que está a dar aos seus filhos.

Não, as mães não querem prendas neste Dia da Mãe. As mães querem retirar das suas costas o peso que há muito carregam, invisivelmente. As mães têm direito a descansar, a ter tempo para si, a repartir a carga mental e as tarefas domésticas com quem partilha casa com elas, a dividir os cuidados dos filhos com o outro progenitor ou até com a restante família que possa e queira ajudar. As mães têm direito a ver as suas necessidades atendidas.

Mas as mães também têm de ser as primeiras a assumir essas necessidades, a pedir que a família as respeite, a exigir que a família divida a carga mental e as tarefas (o pai pode lavar a loiça enquanto a mãe dá banhos, os miúdos podem pôr a mesa e até as crianças mais pequenas podem arrumar os seus brinquedos, com a devida orientação, até ser natural para todos). As mães têm de ser as primeiras a querer quebrar o ciclo e a não aceitar com resignação o peso que a sociedade lhes impõe. E não têm de o fazer sozinhas!

O silêncio e a normalização destas situações impõem uma solidão muito grande às mães, que desejam diferente mas que nem se atrevem a falar por sentirem que ninguém as irá entender. Mas, quando falam, é exactamente o oposto que acontece. Por isso, a solução não é falar menos, mas sim falar mais, mais abertamente, com mais empatia e mais vontade de mudar. Para que as mães possam viver mais saudáveis, mais leves e, claro, mais felizes. Não só no Dia da Mãe, mas em todos os outros dias do ano.


Mentora e consultora do projecto Ser Feliz Porque Sim

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