Partidos querem ouvir presidente da Câmara de Setúbal sobre ucranianos recebidos por pró-russos na autarquia

Vários partidos pedem explicações do presidente da Câmara de Setúbal, André Martins, eleito pela CDU. Em causa está o facto de refugiados ucranianos estarem a ser recebidos no município por russos pró-Putin.

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O deputado do PSD anunciou que o partido quer ouvir no Parlamento o presidente da Câmara de Setúbal e a embaixadora da Ucrânia Nuno Ferreira Santos

O PSD admitiu esta sexta-feira pedir a demissão do presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins (CDU), na sequência da notícia divulgada pelo Expresso de que refugiados ucranianos estão a ser recebidos no município setubalense por russos pró-Putin, e quer chamar ao Parlamento o presidente da autarquia e a embaixadora da Ucrânia e pretende respostas por escrito do gabinete do primeiro-ministro, António Costa.

A deputada única do PAN já se adiantou e entregou, ao início da tarde, um requerimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para a audição “com carácter de urgência” do autarca, da Associação dos Ucranianos em Portugal e da ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que tem a tutela das migrações. A ministra já tem uma audição aprovada sobre acolhimento aos refugiados que será no início de Junho e as restantes também deverão ser adiadas para essa altura. Mas, ao fim desta manhã, não quis responder aos jornalistas que a questionaram sobre o tema no Parlamento quando saía do debate sobre o OE2022.

“No dia 20 de Abril questionámos a maioria CDU na Câmara de Setúbal sobre este assunto e apelámos a que a situação fosse alterada, até por uma questão de sensibilidade das pessoas que fugiram da guerra, para que não fossem recebidas por russos”, disse à agência Lusa o vereador do PSD Paulo Calado.

“A confirmar-se o que vem hoje no jornal Expresso, o caso é ainda mais grave, porque os ucranianos estão a ser recebidos por russos pró-Putin”, acrescentou o autarca social-democrata, considerando que se trata de uma “questão de Estado” que deve ser investigada pelas autoridades portuguesas.

No Parlamento, o deputado do PSD, Ricardo Baptista Leite, anunciou que o partido vai pedir a audição parlamentar do presidente da Câmara de Setúbal e da embaixadora da Ucrânia, e solicitar esclarecimentos, por escrito, ao gabinete do primeiro-ministro, que tem a tutela do Alto Comissariado para as Migrações.

O PSD, exige, por um lado, que “sejam imediatamente interrompidas quaisquer actividades desta natureza”, dizendo que a situação ocorrida no passado na Câmara de Lisboa na presidência de Fernando Medina “já deveria ter servido de lição” para não facilitar a passagem de informação “aos invasores da Ucrânia”, afirmou o vice-presidente da bancada parlamentar Ricardo Baptista Leite, em declarações aos jornalistas no Parlamento, que admite que a matéria pode até vir a ser motivo de uma investigação judicial.

“[António Costa] Tem de dizer de forma peremptória se mantém a confiança nestas associações que têm alegados agentes pró-russos a actuar no nosso país, não pode haver complacência nesta matéria e falta de clareza no posicionamento de Portugal”, defendeu, salientando que estas famílias são compostas “maioritariamente por mulheres e crianças”.

Segundo revelou hoje o jornal Expresso, pelo menos 160 refugiados ucranianos já terão sido recebidos por Igor Khashin, antigo presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, e pela mulher, Yulia Khashin, funcionária do município setubalense. Igor Khashin, líder da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo), subsidiada desde 2005 até Março passado pela Câmara de Setúbal, e a mulher terão, alegadamente, fotocopiado documentos de identificação dos refugiados ucranianos, no âmbito da Linha de Apoio aos Refugiados da Câmara Municipal de Setúbal. E terão também questionado os refugiados sobre os familiares que ficaram na Ucrânia, mas a Câmara Municipal de Setúbal garante que “nunca foi feita tal pergunta”.

Khashin é um dirigente associativo com dupla nacionalidade, que se apresenta como “gestor de projectos”, e as associações a que terá estado ligado estavam nos sites da Ruskyi Mir e da Rossotrudnichestvo, instituições estatais criadas pelo Kremlin para divulgar a cultura e o mundo russos, mas que, segundo fontes citadas pelo jornal, “podem servir de cobertura a elementos dos serviços secretos” da Rússia.

PEV garante “todo o empenho e esforço no apoio aos refugiados”

Os Verdes, garantem reconhecer “todo o empenho e esforço da Câmara Municipal de Setúbal, liderada por André Martins do PEV, no apoio aos refugiados e vítimas da guerra na Ucrânia após a invasão da Rússia”. Em comunicado enviado às redacções, os ecologistas defendem que a autarquia está “mesmo na linha da frente na prestação desse auxílio, num esforço de cooperação conjunta com demais entidades governamentais”.

A propósito da notícia do Expresso, o PEV diz acreditar “que a existirem irregularidades serão apuradas todas as situações de forma a garantir o cabal esclarecimento das suspeitas veiculadas e a salvaguarda dos direitos e bem estar das pessoas envolvidas (cidadãos refugiados, funcionários ou voluntários)”.​

Também em comunicado, o PCP diz somente que “o trabalho com imigrantes que há muito se desenvolve no município de Setúbal caracteriza-se por critérios de integração e amizade entre os povos onde não prevalecem nem exclusões nem sentimentos xenófobos. Neste momento em que se impõe um reforço do apoio aos refugiados, em particular aos ucranianos, esta concepção humanista é ainda mais importante.” O grupo parlamentar comunista recusa fazer qualquer outro comentário.

Já o secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, considera que a primeira questão que se coloca no caso do acolhimento de refugiados pela autarquia de Setúbal é saber se “é um caso único ou se existe uma generalidade de associações que são solidárias com os imigrantes”. Questionado pelos jornalistas no Parlamento, Jerónimo de Sousa disse que, tanto quanto sabe, existe “um conjunto de câmaras que naturalmente são solidárias com os imigrantes, com os refugiados, sempre, mas sempre solidários com essas situações”.

“Portanto não percebemos o enfoque em relação à Câmara” de Setúbal, acrescentou o líder comunista.

Vereador pelo PS fala em “falta de sensibilidade"

O deputado e vereador socialista do PS na Câmara de Setúbal, Fernando José, também considera que houve “falta de sensibilidade” da maioria CDU e defende que se trata de uma situação que tem de ser revista rapidamente.

“É uma situação que tem de ser revista e alterada com carácter de urgência”, disse Fernando José à agência Lusa, adiantando que houve associações de ucranianos que se disponibilizaram para fazer o trabalho de ligação com os refugiados, mas que “não obtiveram resposta do município”.

A notícia está a gerar várias reacções a nível político. Em declarações aos jornalistas nos passos perdidos do Parlamento, a deputada da Iniciativa Liberal (IL) Joana Cordeiro referiu que o partido “está a acompanhar com extrema preocupação” as notícias sobre o acolhimento dos refugiados pela Câmara de Setúbal. “Isto é extremamente grave e temos que apurar o que se passa e por esse motivo a IL vai convocar com carácter de urgência o presidente a Câmara de Setúbal, André Valente Martins, à primeira comissão para que explique o que se está a passar na câmara de Setúbal”, anunciou.

André Valente Martins, do Partido Ecologista “Os Verdes”, foi eleito pela lista da CDU (PCP/PEV/ID) nas últimas eleições autárquicas. Para os liberais é importante perceber “se de facto nesta altura o PCP está a favor da paz ou está a favor do agressor”. A IL vai ainda pedir a audição do presidente da Associação de Ucranianos em Portugal para esclarecer “se esta situação se passa no resto do país”.

Também a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, já se pronunciou sobre o assunto: a recepção a refugiados com a presença de elementos russos é “uma violação grosseira dos direitos” destes migrantes e uma “ameaça à sua segurança e aos seus dados privados”. A deputada lembrou o caso da Câmara de Lisboa, então presidida pelo actual ministro das Finanças, que partilhou com a embaixada russa os dados de identificação de manifestantes anti-Rússia e que foi entretanto multada por essa violação da lei de protecção de dados.

Chega pede intervenção de Marcelo e BE quer resposta do Governo

Bruno Nunes, deputado do Chega eleito pelo distrito de Setúbal, desafiou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a tomar posição sobre a questão e disse que a sua bancada pretende mesmo chamar André Valente Martins (PEV) ao Parlamento. “É uma situação lamentável que coloca em causa a segurança dos refugiados. É deveras preocupante que as informações sobre essas pessoas e familiares tenham sido enviadas ao Kremlin.”

“Já não é a primeira vez que o presidente da Câmara de Setúbal tem esta atitude estalinista. Em reuniões de câmara já mandou calar e tirou a palavra a vereadores”, prosseguiu, acrescentando que o Chega chamará o líder da autarquia de Setúbal ao Parlamento para prestar esclarecimentos.

Em vez de querer explicações no Parlamento, o Bloco optou por questionar o Governo sobre se tem conhecimento dos termos em que está a ser feito o acolhimento aos refugiados ucranianos em Setúbal, se tenciona investigar o assunto e se tomou algumas medidas para “garantir a idoneidade e a fiscalização dos processos de acolhimento e integração”. O líder parlamentar Pedro Filipe Soares vincou que o Estado português tem “obrigação de dar garantias sobre a salvaguarda dos interesses e garantias dos refugiados”.

O dirigente bloquista espera que o Governo não deixe esgotar o prazo de 30 dias que tem para responder aos partidos uma vez que as comissões parlamentares estão impedidas, durante um mês, de fazer audições.

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