Dois responsáveis de “O Lar do Comércio” julgados por maus tratos

Segundo a acusação do MP, o antigo presidente e a directcora de serviços do Lar do Comércio “violaram os deveres inerentes aos cargos que ocupavam”.

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Lar do Comércio, em Matosinhos Paulo Pimenta

O Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Matosinhos decidiu levar a julgamento um ex-presidente e uma directora de serviços de “O Lar do Comércio” por 67 crimes de maus tratos, 17 deles agravados pelo resultado de morte, foi anunciado esta quinta-feira.

Em nota publicada na página da Internet, a Procuradoria-Geral Regional do Porto (PGRP) refere que o TIC de Matosinhos pronunciou (decidiu levar a julgamento) os arguidos e a própria instituição nos exactos termos da acusação do Ministério Público (MP), depois de estes terem requerido a abertura de instrução.

Segundo a acusação do MP, entre Janeiro de 2015 e Fevereiro de 2020, o antigo presidente e a directcora de serviços de “O Lar do Comércio”, uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), situada em Matosinhos, no distrito do Porto, “violaram os deveres inerentes aos cargos que ocupavam”.

O MP sustenta que os arguidos, “apesar de saberem que a instituição dispunha de meios económicos para o fazer, por razões de diminuição e contenção de gastos”, não contrataram médicos, funcionários e enfermeiros necessários “para assegurar o conforto e cuidados mínimos aos utentes”, deixando também de comprar equipamentos, mobiliário e produtos de higiene e terapêuticos, como apósitos para escaras, colchões antiescaras, fraldas e suplementos proteicos.

“[O MP] Considerou ainda indiciado que os arguidos actuaram com a consciência de que as suas condutas resultariam na falta de cuidados na saúde, na higiene, na alimentação, na atenção, nos afectos, no entretenimento e socialização dos residentes acamados, determinando o agravamento do estado de saúde, provocando-lhes mazelas físicas e sofrimento físico e psíquico, atentando contra a dignidade da pessoa humana, como ocorreu em 50 dos utentes ali internados”, indica a PGRP, que cita a acusação do MP.

Os arguidos, ainda de acordo com a acusação, deduzida em 27 de Julho de 2021, “actuaram também com a consciência que a omissão dos cuidados aos utentes poderia causar-lhes a morte, como veio a suceder com 17 dos utentes ali internados”.

O despacho de pronúncia do TIC de Matosinhos foi proferido em 19 de Abril deste ano.

Em 15 de Maio de 2020, a Procuradoria-Geral da República (PGR) respondeu à agência Lusa que instaurou um inquérito, a correr termos no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto, à actuação da IPSS, onde foram, até àquela data, contabilizadas 21 mortes devido à covid-19.

A confirmação da PGR surgiu após as declarações da presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, que classificou de negligente a actuação da direcção de “O Lar do Comércio” aquando do surto da pandemia, adiantando que iria participar ao MP as situações que chegaram ao conhecimento da autarquia.

Em 19 de Outubro de 2020, um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA) revelava terem sido detectados indícios de “violação grave” de direitos humanos n’“O Lar do Comércio”, e o “incumprimento reiterado” de orientações recebidas em vistorias.

Naquele ano, “O Lar do Comércio” teve mais de 100 idosos infectados com covid-19, 24 dos quais acabaram por morrer, segundo o relatório de “averiguação sobre o surto da covid-19”, um documento de 23 páginas.

O relatório precisa que os indícios abrangem violação de direitos humanos e de direitos de liberdade e garantias, nomeadamente o direito à vida (artigo 24.º da Constituição) à integridade pessoal (25.º), à liberdade e à segurança (27.º) e à saúde (64.º).

Além do “incumprimento reiterado” das inconformidades verificadas nas vistorias conjuntas da Protecção Civil, serviço social da câmara municipal, unidade local da saúde pública e Segurança Social, o relatório sublinha a “ausência de informação acerca do estado de saúde de residentes aos seus familiares”.

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