Como viver em mentira, de Molière a Crimp

A partir da reescrita de Martin Crimp para O Misantropo, Nuno Carinhas mostra no Teatro Joaquim Benite, em Almada, como a hipocrisia e o cinismo são a moeda corrente do jogo social. Assim é hoje, tal como era na corte de Luís XIV.

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Rui Carlos Mateus

Alceste e o seu fiel amigo John — uns dias mais fiel, outros dias menos, assim crê Alceste — conversam durante os primeiros minutos de O Misantropo. A troca de ideias não segue por caminhos fáceis, mas resume a peça escrita por Molière há 350 anos e que Martin Crimp reimaginou para o contexto londrino dos anos 1990. Alceste queixa-se do mundo, queixa-se da amizade (e desta em concreto) e acusa John de ceder a um jogo social de frivolidade e normas de conduta que atacam a moralidade. “Nada é mais afectado do que as contorções morais do elitista autoproclamado”, atira-lhe Alceste, agastado com “salamaleques e rapapés, as cortesias e os parlapiés” que o deixam à beira do vómito. Para Alceste (Ivo Alexandre), a amizade está por um fio, ofendido por John (João Cabral) ceder a este nivelamento acrítico que toma o mundo todo por igual, num sofisticado lambe-botismo que, por cortesia, eleva qualquer pessoa destituída de talento à mesma galeria destinada aos génios. Alceste quer viver em verdade; John contrapõe que a vida em sociedade exige regras de convivência, que a hipocrisia e o cinismo fazem parte da moeda corrente empregue nas relações do dia-a-dia.

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