O homem que tirou 200 pessoas de Mariupol numa carrinha vermelha destruída

Depois de repetidas tentativas falhadas para estabelecer corredores humanitários, viagens organizadas por voluntários, como é o caso de Puryshev, têm sido a tábua de salvação para civis que nos últimos meses passaram fome e outras privações naquela cidade ucraniana.

relacoes,pglobal,impar,solidariedade,russia,ucrania,
Fotogaleria
Reuters/MYKHAILO PURYSHEV
,Vadym Boichenko
Fotogaleria
Reuters/ALEXANDER ERMOCHENKO
relacoes,pglobal,impar,solidariedade,russia,ucrania,
Fotogaleria
Reuters/MYKHAILO PURYSHEV
relacoes,pglobal,impar,solidariedade,russia,ucrania,
Fotogaleria
Reuters/MYKHAILO PURYSHEV
relacoes,pglobal,impar,solidariedade,russia,ucrania,
Fotogaleria
Reuters/MYKHAILO PURYSHEV

Enquanto as forças russas apertavam o cerco a Mariupol e os mísseis caiam, Mykhailo Puryshev viajou até à cidade por seis vezes, no mês passado, com o objectivo de ajudar os seus conterrâneos a sair da cidade. Ele e as cerca de 200 pessoas que conseguiu tirar da cidade sobreviveram, apesar de a sua carrinha vermelha estar quase destruída.

Na semana passada, a Rússia reivindicou o controlo da estratégica cidade, que foi sujeita a alguns dos ataques mais intensos durante esta invasão, apesar de centenas de militares ucranianos ainda estarem abrigados nos túneis da fábrica Azovst, a siderurgia da cidade. A Ucrânia diz que cerca de 100 mil civis estão presos na cidade. Mykhailo Puryshev, 36 anos, que tem uma discoteca em Mariupol, conta que conseguiu tirar cerca de 200 pessoas, nas seis viagens que fez com a sua carrinha, e às quais outros se lhe juntaram em comboios solidários.

Depois de repetidas tentativas falhadas para estabelecer corredores humanitários, viagens organizadas por voluntários, como é o caso de Puryshev, têm sido a tábua de salvação para civis que nos últimos meses passaram fome e outras privações naquela cidade. “Quando fui pela primeira vez (em 8 de Março), a cidade era como uma nuvem de fumo, como uma fogueira”, descreve.

Embora a Rússia negue atacar civis naquela que apelida ser uma operação especial para desarmar a Ucrânia e protegê-la dos neonazis, a Ucrânia e o Ocidente dizem que a alegação fascista é infundada, que a guerra é um acto de agressão não provocado e que os civis estão a ser atacados e mortos.

Mykhailo Puryshev publicou vídeos online das suas viagens, que permitem ter uma ideia de como ficou a cidade onde os telemóveis deixaram de funcionar e as informações são escassas. Durante um ataque, a sua carrinha ficou com o pára-brisa, três janelas laterais e uma porta lateral destruídas. “Graças a Deus, ninguém estava lá dentro”, conta, acrescentando que os amigos têm contribuído com a compra de mantimentos que levou para a cidade. Entre viagens, Puryshev foi arranjando a carrinha. “Para ser honesto, tem muitas marcas de guerra.”

As viagens pelo território ocupado pela Rússia até Mariupol duravam cerca de oito horas, passando por postos de controlo e contornando pântanos de lama e cadáveres, enquanto temia passar por cima de alguma mina terrestre, revela. Dentro da cidade, o homem confessa que tentava não olhar para os cadáveres espalhados nas ruas ou no interior de veículos carbonizados. O seu maior medo era ver alguma criança morta e desmaiar, diz.

E continua: As pessoas foram enterradas na rua perto de centros comerciais, discotecas ou até mesmo junto a jardins-de-infância. Alguns corpos foram enrolados em tapetes e deixados em bancos de jardim.

Na discoteca, de que é proprietário, há um abrigo antiaéreo na cave e que abrigava cerca de 200 pessoas. Além dos seus funcionários, estavam também outras pessoas, incluindo idosos e grávidas, continua. Inicialmente, o plano de Puryshev era resgatar os seus colaboradores, mas acabou por alargara todos os que se encontravam no abrigo. “O momento mais assustador que vivemos foi quando tudo ficou em silêncio. Assim ficou durante oito horas. Pensamos: ‘Acabou.’ Quando recomeçou [o ataque], foi tão assustador que as crianças fizeram xixi pelas pernas abaixo.”

Havia pessoas que saíam do abrigo à procura de comida e roupas limpas ou até mesmo de collants para as crianças que não podiam lavar as suas roupas. Mykhailo Puryshev recorda uma viúva que lhe pediu para tirar a aliança de casamento do dedo do seu marido, que fora morto durante um ataque aéreo. O homem confessa que foi incapaz de o fazer.

As viagens começaram a 8 de Março e terminaram a 28 do mesmo mês, quando um soldado separatista lhe disse para nunca mais voltar pois seria preso ou pior. Puryshev acredita que Deus o protegeu. “A única lesão que tive foi ter sido atingido por um pedaço de vidro. O meu casaco salvou-me e só tive um arranhão. É claro que Deus protegeu-me e a minha carrinha cuidou de mim.”

Quando a guerra terminar, Mykhailo Puryshev tem planos para o seu veículo: “Vamos transformá-lo num monumento quando voltarmos a Mariupol.”

Sugerir correcção
Comentar