Comprar aviões, ter uma frota de cargueiros. Como vão as empresas assumir o controlo das suas estruturas logísticas?

São os efeitos de três anos em que o mundo esteve permanentemente a mudar. Grandes empresas compram aviões e barcos para não estarem dependentes de terceiros. Estratégias de armazenamento de matérias primas e produtos acabados também pode estar a mudar.

Foto
Se, até aqui, as grandes multinacionais optavam quase sempre por ter um grande armazém central na UE, agora começa a notar-se uma “crescente opção por ter três ou quatro armazéns mais pequenos” HANNIBAL HANSCHKE/REUTERS

A cadeia de supermercados alemã Lidl estabeleceu a sua própria frota de cargueiros, a gigante norte-americana Amazon comprou mais de uma dezena de aviões de transporte de carga e há empresas um pouco por todo o mundo a voltarem a investir em camiões TIR. As perturbações na cadeia de distribuição mundial criadas pela pandemia de covid-19 e, mais recentemente, pela guerra a Ucrânia, parecem ter feito as empresas repensar os seus modelos logísticos. E há tendências de mudança também no armazenamento e no abastecimento.

A “integração vertical” está a revelar-se uma tendência, reconhece Utku Serhatli que é professor de Cadeia de Abastecimento Global na Nova School of Business and Ecnomics (SBE). Os choques dos últimos anos fizeram com que as empresas tentassem “assumir o controlo da cadeia de abastecimento”. O aspecto mais visível passa pelo transporte de cargas, em que se começa a notar “um regresso a princípios que estavam vencidos há 20 anos”, realça José Crespo de Carvalho, docente no Iscte — Instituto Universitário de Lisboa.

“O que estava consolidado e era apresentado como estável é que há empresas que produzem os bens e depois há prestadores de serviços que trabalham para elas. Cada uma tem o seu core business”, prossegue. Neste momento, como mostram os exemplos do Lidl ou da Amazon, “voltou a reequacionar-se tudo isso”.

Deter os meios de transporte dos produtos dá às empresas maior controlo sobre a cadeia de distribuição e mais flexibilidade para responder a qualquer constrangimento que surja num determinado ponto do planeta, como no caso de um conflito armado como o que está a acontecer na Ucrânia. “Se domino o meio de transporte, sou capaz de ter tempos de resposta diferentes daqueles que teria, se tivesse de confiar em transportes de terceiros”, explica Crespo de Carvalho.

Mesmo que as soluções não passem pela integração vertical, a situação de ruptura vivida nos dois últimos anos levou muitas empresas a “rever a sua estratégia de abastecimento”, diz Utku Serhatli, da Nova SBE. Outras das tendências que se observam é a procura de fornecedores locais ou, pelo menos, mais próximos, para reduzir a exposição a bloqueios que possam existir no sistema logístico global.

Um bom exemplo, prossegue Serhatli, que é professor de Cadeia de Abastecimento Global, é o que está a acontecer com os metais, sector em que a Rússia é um dos principais produtores internacionais. Fruto do conflito na Ucrânia, as empresas, a começar pela produção de automóveis, tiveram de encontrar alternativas.

“Ficou claro, logo no início da pandemia, que algumas das estratégias de deslocalização da produção, que podem ter sido uma mais-valia, quando as cadeias de abastecimento funcionam bem, são penalizadores em situações de ruptura”, concorda Tiago Pinho, que coordena o mestrado em Logística e Gestão da Cadeia de Abastecimento, no Instituto Politécnico de Setúbal. “Estarmos dependentes do Oriente penalizou-nos muito. As pessoas estão a ficar sensíveis para uma nova estratégica de fornecimento de maior proximidade.”

As consequências dos dois últimos anos estão também a alterar a forma como as empresas olham para a armazenagem, considera, por seu turno, Patrícia Nunes, professora da pós-gradução em Logística da Universidade Lusófona de Lisboa.

Se, até aqui, as grandes multinacionais optavam quase sempre por ter um grande armazém central no meio da União Europeia, agora começa a notar-se uma “crescente opção por ter três ou quatro armazéns mais pequenos”, seja para as matérias-primas, seja para os produtos acabados. Ao “não concentrar a armazenagem num único local”, as firmas ficam menos expostas “às situações de crise”, com um incidente político ou um acidente natural. “Sabemos agora que tudo pode mudar de um dia para o outro. Ter uma rede de armazéns mais dispersa parece ser uma boa ideia”, diz.

Outra vertente a sofrer ajustes será a eficácia dos modelos de previsão, acrescenta Patrícia Nunes. Tradicionalmente, as fábricas fazem um ajustamento mensal do seu plano de produção, mas hoje há empresas que “estão a fazê-lo à semana”. “Existe a procura de uma eficácia cada vez maior para evitar perdas de produtividade e não ficar com produtos na prateleira que não são vendáveis.”

Sugerir correcção
Comentar