Separações e divórcios: forçados e deliberados

Enquanto lá longe há famílias separadas à força por uma guerra, aqui perto existem famílias a serem separadas por guerras internas que são tão grandes ou tão pequenas como qualquer outra.

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Kelly Sikkema/Unsplash

Os momentos que agora se vivem de guerra demonstram bem a natureza humana. Nem toda a humanidade é assim e, por isso, tantos movimentos se têm realizado para que a Paz retorne. No entanto, é dentro do próprio que a paz deve começar para que se estenda à família e, daí, à comunidade. Temos assistido de camarote às separações tão tristes que as famílias que sofrem diretamente com esta guerra têm sofrido. Famílias inteiras desmanteladas como se de um objeto se tratasse. A verdade é que são seres humanos forçados à separação. Não porque o queiram, mas porque assim tem que ser.

No mundo atual, que temos o privilégio de vivenciar dada toda a evolução tecnológica a que assistimos, existe algo que dificilmente evolui – a capacidade de amar. E enquanto lá longe há famílias separadas à força por uma guerra, aqui perto existem famílias a serem separadas por guerras internas que são tão grandes ou tão pequenas como qualquer outra. Os desentendimentos que as famílias sofrem, muitos deles não passam de pequenas quezílias que poderiam no momento ser sujeitas a um perdão (perdão é passar à frente, fazer um “let it go”). Mas outros assuntos como violência doméstica, negligência infantil, violações, entre tantos outros, exigem uma capacidade de perdão atroz (se existir). Estes últimos são aqueles assuntos que necessitam de separações ou divórcios deliberados e que a justiça olhe bem para eles, para que não se repitam e não terminem em morte física ou psicológica, deixando marcas para a vida que nunca passam.

Uma professora de um dos meus filhos, enquanto falava de bullying, ensinou-lhes que “o coração que passa por isto é como um papel amachucado, por mais que se tente esticar nunca mais vai voltar a ser o que era”. Passados oito anos, o meu filho nunca mais esqueceu esta frase, que ainda hoje profere; por isso, espero que também não esqueçam.

Mas aquilo que pretendo aqui demonstrar é que existem tantas, mas tantas situações simples nas famílias que poderiam ser resolvidas a bem e não o são porquê? Se se encontrassem realmente no contexto limite de uma guerra como a que se vive na Ucrânia, talvez pesassem nos pratos da balança que aqueles que amam poderão nunca mais vê-los. Não é à toa que casais se despedem e percebem que talvez aquele seja o último abraço. Também não é à toa que escrevem os dados da criança no corpo das mesmas, na esperança de as voltarem a encontrar. E se fossemos nós? Será que nos separávamos ou divorciávamos por pequenas quezílias? Pois... talvez não. O ser humano aprende o que é o amor nas situações limite da vida e jamais vai libertar-se do grande ego que o envolve para dizer: perdoa-me.

Deixemo-nos de demagogias e de falar da vida que longe de nós sofre e olhemos para aquilo que nos atormenta a família, que em última instância são as crianças que pagam a fatura e bem alta.

Com a pandemia, o número de separações e/ou divórcios aumentou talvez porque o amor não estivesse habituado a ver tanto tempo a mesma cara. Parece que são necessárias caras novas para animar o nosso dia a dia, mesmo que a família que dizemos amar esteja como um dado adquirido em casa à nossa espera. As crianças e adolescentes foram as que mais sofreram com a pandemia, não só pelo corte que tiveram com a sua vida social, mas também com o espetáculo a que assistiram em casa de os pais já não se poderem ver à frente.

Pensem um pouco: será que, se mudarmos aquilo que internamente nos atormenta e formos sinceros para com o próximo, poderemos de forma honesta ajudar o resto do mundo? “Que uma mão não saiba o que a outra faz.” Não precisamos de assistência para ajudar a guerra na Ucrânia, mas precisamos de muita Paz interna para que a mesma possa chegar onde queremos. A família que construímos é um dom que desperdiçamos deliberadamente, enquanto outros longe de nós são forçados a perdê-la.

Com todos os riscos de ser lamechas ou não, aqui vai: amem-se enquanto podem porque tudo isto é um sopro muito finito.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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