Mosquitos geneticamente modificados e “amigáveis” podem ajudar a prevenir a transmissão de doenças

Para diminuir a população de insectos invasores na Califórnia, uma empresa de biotecnologia está a produzir mosquitos incapazes de gerar fêmeas e transmitir doenças.

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Dois mosquitos Aedes aegypti a acasalar Edgar Su/Reuters

A Agência de Protecção Ambiental do Estados Unidos autorizou a libertação de milhões de mosquitos geneticamente modificados em 11.897 hectares de terreno, distribuídos pelos condados de San Bernardino, Fresno, Stanislaus e Tulare, na Califórnia. A experiência, conduzida pela Oxitec, uma empresa britânica de biotecnologia, pretende controlar a população destes insectos e, consequentemente, prevenir a difusão de doenças perigosas para a população humana, como febre-amarela, chicungunha​ e dengue. De acordo com o The Guardian, está autorizada, desde 7 de Março, a libertação de um máximo de 2,4 mil milhões de mosquitos até 2024, nos estados da Califórnia e da Florida.

Em causa estão mosquitos Aedes aegypti, mais concretamente os machos, que não picam: nesta espécie, apenas as fêmeas consomem sangue humano, enquanto os machos se alimentam exclusivamente de fruta. Os insectos modificados, chamados OX5034 e descritos pela empresa como “amigáveis”, foram alterados com um gene “autolimitante”, que leva a que, durante a procriação, só possam nascer machos. Ou seja, depois de libertados na natureza, os mosquitos vão acasalar com outros selvagens — mas não vão nascer mais fêmeas, e o gene autolimitante vai passar para as gerações seguintes.

A população de mosquitos tem vindo a aumentar nos últimos anos como consequência da seca que assola a Califórnia. Apesar de ainda não haver registo de doenças perigosas estarem a ser disseminadas, o insecto invasor já foi descrito como um risco crescente. Com este procedimento, a Oxitec espera ser capaz de reduzir a quantidade de fêmeas de Aedes aegypti e, consequentemente, a população da espécie. Rajeev Vaidyanathan, director de programas americanos da Oxitec, explicou ao The Guardian que, uma vez que as fêmeas se alimentam e se reproduzem durante o dia, não seria viável tentar atingi-las com pesticidas porque afectaria outros insectos diurnos, como borboletas e abelhas.

Apesar de a Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos ter concluído que este procedimento é seguro, tanto para humanos como para o meio ambiente, há cientistas que não têm tantas certezas. Robert Gould, presidente da San Francisco Bay Physicians for Social Responsibility, disse ao Mercury News que, “em vez de avançar com uma experiência genética não regulamentada ao ar livre, são precisas acções preventivas, dados transparentes e avaliações de risco apropriadas”. Nesta óptica, salienta ainda que “os mosquitos geneticamente modificados não podem ser recuperados” depois de serem libertados para a natureza.

Na mesma linha, o The Guardian relata que várias críticas recaem sobre a possibilidade de os mosquitos entrarem em contacto com tetraciclina, um antibiótico usado na agricultura, que poderia permitir que as fêmeas dos mosquitos sobrevivessem. E, de acordo com o Los Angeles Times, os cientistas também se mostram preocupados com a possibilidade de se desenvolverem híbridos que acabem por ser mais resistentes e perigosos para o ser humano.

Ainda assim, a Oxitec descreve esta solução como “precisa, sustentável e não tóxica”. De acordo com o Los Angeles Times, a empresa assegura que não há perigo de as pessoas serem picadas por insectos modificados, uma vez que só serão libertados machos. Além disso, para poder fazer o rastreio dos insectos, também foi inserido um gene que funciona como um marcador fluorescente — e que brilha quando exposto a uma cor de luz específica.

Este projecto, que ainda requer a aprovação final das entidades reguladoras de cada estado norte-americano, surge no seguimento de um outro, lançado em 2021 também pela Oxitec, que libertou cerca de 144 mil mosquitos geneticamente modificados nas Florida Keys.

Texto editado por Ana Maria Henriques

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