Que Verdes pedem o cabrito e os doces de Páscoa?

Com a chegada da Primavera e da Páscoa, também à mesa é tempo de mudanças. Dos cozidos de carnes e enchidos do frio de Inverno e das lampreias dos dias chuvosos. O tempo de advento anuncia-nos também os aromas quentes do cabrito ou anho assados no forno, a sedução das cavacas e do pão-de-ló. Eis algumas sugestões para testar a abrangência cada vez mais alargada dos Vinhos Verdes. Sim, que os há para todas as ocasiões.

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O cabrito assado no forno é o cozinhado tradicional de referência na Páscoa Nelson Garrido/arquivo

Cabrito ou anho assado no forno

É o cozinhado tradicional de referência na Páscoa, mas há muito que o cabrito se converteu em símbolo gastronómico de comemoração ou festa de família um pouco por todo o ano. É o prato de domingo também na generalidade dos restaurantes tradicionais no Entre-Douro-e-Minho e, tanto na Páscoa como no Natal, é tradição em muitas casas cozinhar cabrito para o almoço de família.

E quem diz o cabrito, também o borrego ou o anho, que é o mesmo animal antes de completado o primeiro ano de vida. Foi sobretudo nas zonas entre o Douro e o Tâmega que o anho se impôs como tradição pascal. A tradição manda que seja assado deitado sobre dois paus de loureiro, que o suportam sobre o tacho ou alguidar de arroz para onde escorre a gordura do assado que lhe confere o sabor.

Também em Monção a mesma técnica é usada para a confecção da receita tradicional do cabrito, enquanto no resto da região é o assado “à padeiro”, que vai ao forno na assadeira com batatinhas, sendo acompanhado pelo arroz de forno com os miúdos do animal.

A carne do cabrito é vermelha, com pouca gordura, e tem um sabor suave. Já a de borrego tem também cor vermelha, mas mais viva, sem entremeada e de cheiro aromático. A gordura interna é branca e firme, tal como no anho. Os assados são sempre cozinhados com muita gordura e de sabor intenso, a pedir a companhia de vinhos refrescantes, com complexidade e acidez marcante.

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Rui Oliveira

Lampreia

A lampreia é um prato de temporada, cuja pesca vai normalmente desde meados de Janeiro até meados de Abril, sendo determinada pelas autoridades marítimo-fluviais em função das previsões e intensidade das correntes. Pela falta de chuva e consequente acalmia nos rios, este foi um ano de escassez, com os preços a disparem para níveis nunca vistos e proibitivos.

A época da lampreia é, sem dúvida, uma das mais excitantes do calendário gastronómico, talvez mesmo a única no nosso país que, de uma forma geral, faz os amantes do ciclóstomo deslocar-se grandes distâncias para o apreciarem.

As mais apreciadas são as dos rios do Minho (Cávado, Lima e Minho), se bem que a tradição tenha também forte enraizamento nas margens mais a jusante de Douro e Mondego, embora a pesca tenha sofrido com a construção dos sistemas de barragens para regularização dos cursos destes rios.

As formas mais tradicionais – e mais apreciadas – de saborear a lampreia é em cozinhados que aproveitam o seu sangue, enriquecido com vinho tinto, normalmente da casta vinhão, que lhe reforça a intensidade e sabor. Um refogado intenso, normalmente designado por bordalesa, ou a cabidela com arroz movem os apreciadores, que as associam também aos vinhos mais antigos e identitários do Minho, os da casta vinhão.

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Paulo Pimenta/Arquivo

Cozido à portuguesa

Tão antigo como popular e identitário, o cozido à portuguesa tem muitas variantes, expressões regionais e até locais. A base é sempre a mesma: carnes, enchidos, legumes, couves e outros vegetais cozidos. Nuns casos gostam de incluir o frango e noutros presunto, orelha de porco ou chispe, tal como o feijão, nabos ou batata-doce, cuja inclusão varia com as regiões. O que nunca faltam são os enchidos, e carnes de porco com boa gordura, que dão o sabor e a envolvência típicas do cozido, seja qual for a região do país.

É um cozinhado de Inverno, que se associa ao tempo frio. No Minho, a tradição manda que inclua galinha gorda, presunto, salpicão, focinho de porco, a batata, a cenoura e a couve-tronchuda, sendo acompanhado com arroz seco. A alheira associada ao chouriço de sangue e à farinheira identificam o de Trás-os-Montes.

Já no Alentejo não leva frango, costuma levar grão e pode incluir borrego. Por aqui, o foco está nas carnes de porco e na variedade de enchidos. Há um pouco de tudo, joelho, orelha, entrecosto, rabo ou toucinho, enquanto os enchidos vão da morcela à farinheira, passando pelo chouriço de carne, chouriço de sangue e a linguiça.

Em São Miguel, nos Açores, além do inhame, a tradição é que seja cozido debaixo de terra, nas fumarolas vulcânicas. Com sabores fortes e marcados pelos enchidos e fumeiro, pede vinhos tintos estruturados e complexos, com algum vigor tânico e acidez que enfrente a gordura.

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nelson garrido/arquivo

Pão-de-Ló

São múltiplas as variedades de pão-de-ló que se podem encontrar ao longo do país, mas é no Minho que este doce tem mais fama e popularidade. Uns mais secos, outros mais húmidos, são muitas as receitas que se podem encontrar ao longo do país. Alfeizerão, Ovar, Rio Maior, Alpiarça e Arouca são localidades que dão nome à receita que surge já na Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, que foi o primeiro livro de cozinha publicado em Portugal (1680).

Aí se referem já também os “biscoitos de la reina”, que nas tabernas minhotas são hoje conhecidos como “biscoitos champanhe” e são consumidos embebidos em vinho tinto nas tigelas de vinhão.

No Entre-Douro-e-Minho, o pão-de-ló é típico da doçaria de Páscoa e feito à moda de Margaride, uma receita com mais de dois séculos que está na origem da afamada Fábrica do Pão-de-Ló de Margaride, em Felgueiras, que chegou a ser fornecedora da Casa Real Portuguesa.

De textura fofa e suave com uma crosta tostada, é feito em formas de barro forradas com papel, levando no meio o típico buraco do copo. A tradição popular é que seja partido e comido com a mão, muitas vezes igualmente ensopado nas tigelas de vinhão.

Hoje, com a qualidade de Vinhos Verdes com grau de doçura que a região produz, a sugestão de acompanhamento vai para um espumante e para vinhos de colheita tardia.


Este artigo foi publicado no n.º 4 da revista Singular.

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