Novo Banco anuncia demissão de António Ramalho, um mês depois de apresentar lucros

A decisão é tomada numa altura em que Ramalho está a ser investigado pelo BCE pelo papel que teve na gestão das dívidas de Luís Filipe Vieira, depois de terem sido divulgadas as escutas da Operação Cartão Vermelho.

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António Ramalho foi presença assídua no Parlamento para dar explicações sobre a sua gestão. Nuno Ferreira Santos

António Ramalho, actual presidente executivo do Novo Banco, vai deixar a liderança desta instituição no próximo mês de Agosto. A informação foi avançada esta quinta-feira, em comunicado enviado ao mercado pelo Novo Banco, que informa que o banqueiro vai “apoiar o processo de transição do seu sucessor”, mas não revela quem irá substituí-lo no cargo.

“O CEO do Novo Banco, António Ramalho, comunicou hoje ao Conselho Geral e de Supervisão (CGS) a sua intenção de deixar as funções executivas que actualmente desempenha, em Agosto, e apoiar o processo de transição para o seu sucessor”, pode ler-se no comunicado, praticamente um mês depois de o gestor ter apresentado o primeiro lucro anual da sua gestão, de 184 milhões de euros em 2021.

A decisão de António Ramalho, cujo actual mandato só terminava em 2024, é tomada numa altura em que o responsável está a ser investigado por, alegadamente, ter ajudado Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Sport Lisboa e Benfica e um dos maiores devedores do Novo Banco, a responder na comissão parlamentar de inquérito à gestão feita neste banco. Uma relação que está na mira do Banco Central Europeu (BCE), no âmbito da avaliação da idoneidade de Ramalho para o desempenho do cargo.

Em causa está a Operação Cartão Vermelho, investigação levada a cabo pelo Ministério Público que se debruça sobre as relações de Vieira com a banca. Entre outras práticas que estão a ser investigadas, as escutas realizadas nesta operação revelaram que António Ramalho agiu de forma a que apenas ele próprio e os administradores Luísa Soares da Silva e Rui Fontes fossem chamados a prestar declarações à comissão parlamentar de inquérito, tendo contratado a agência de comunicação Cunha Vaz para treinar o discurso de Rui Fontes. Para além disso, terá agendado um encontro com Luís Filipe Vieira para “preparar” a sua ida à comissão parlamentar de inquérito, para que as posições de banco e cliente coincidissem.

Na sequência destas revelações, o BCE admitiu estar a “investigar a matéria”. Dias depois, também o conselho geral e de supervisão do próprio Novo Banco confirmou que estava a analisar “com seriedade” os assuntos em investigação, através de uma “análise independente efectuada de forma pormenorizada, rigorosa e baseada em factos e nas informações disponíveis ao conselho geral e de supervisão e ao Novo Banco”.

Uma iniciativa cujo desfecho não foi divulgado oficialmente. Ainda assim, sobre este assunto, fonte oficial do Lone Star revelou na semana passada ao Eco que “o Conselho Geral e de Supervisão (CGS) do Novo Banco e os seus órgãos competentes concluíram a sua revisão interna independente relativa às matérias reportadas no âmbito da Operação Cartão Vermelho, em Fevereiro de 2022 e a conclusão foi a de que “António Ramalho agiu com total integridade ao longo deste processo e não surgiram provas que comprometam sua idoneidade como CEO do Novo Banco”.

É neste contexto que a instituição anuncia agora a saída do seu presidente executivo, sem nunca mencionar qualquer um destes eventos e limitando-se a elogiar o trabalho feito por António Ramalho ao longo dos últimos seis anos.

“António Ramalho acredita ser este o momento certo para anunciar o seu desejo de deixar o cargo que assumiu há cerca de seis anos. Ao longo destes seis anos, António Ramalho liderou o Novo Banco e conduziu-o com confiança durante um desafiante mas bem-sucedido processo de venda e, em particular nos últimos quatro anos, concluiu a limpeza do balanço do banco de todos os problemas do legado herdado do antigo BES, conduziu o Novo Banco a um caminho de rentabilidade sustentável e concluiu o plano de reestruturação de acordo com os compromissos acordados entre a República Portuguesa e a Comissão Europeia, através da DGComp (Direcção-Geral da Concorrência da UE)”, adianta a instituição.

O comunicado emitido pelo Novo Banco recorda ainda os lucros alcançados em 2021, os primeiros resultados anuais positivos que o banco conseguiu desde que foi criado, e agradece ao actual presidente. “Faço questão de agradecer a António Ramalho a sua liderança ímpar, a sua dedicação e o seu contributo para garantir a viabilidade de longo prazo do Novo Banco. António Ramalho foi o rosto da liderança de um processo de transformação do banco, que incluiu a concretização de todos os compromissos definidos no plano de reestruturação”, comenta Byron Haynes, presidente do conselho geral e de supervisão do Novo Banco.

O comité de nomeações do Novo Banco irá, agora, desencadear os procedimentos que levarão à sucessão de António Ramalho, não sendo adiantados, para já, quaisquer nomes ou prazos. “As suas conclusões serão anunciadas oportunamente, logo que concluído o processo”, refere-se apenas.

António Ramalho, por seu lado, vai participar no processo de transição da liderança, tendo celebrado, com o Novo Banco, um “acordo de serviços de consultoria e assessoria, com reporte directo ao presidente do conselho geral e de supervisão”.

Durante os anos em que esteve à frente do Novo Banco, António Ramalho contou com o apoio do mecanismo de capital contingente, uma ferramenta criada no momento de venda de 75% do banco ao fundo norte-americano Lone Star para ir equilibrando a solidez da instituição, mantendo os rácios nos níveis mínimos. Para isso, estimou uma almofada de 3,9 mil milhões de euros para gastar no prazo de seis anos, sob o controlo do Fundo de Resolução (instituição na órbita do Banco de Portugal e financiada pelos bancos privados, mas com cobertura do Estado).

Ramalho fechou quatro exercícios com prejuízos acima de mil milhões em todos os anos, operando uma limpeza acelerada de créditos problemáticos com recurso ao apoio dessa almofada, que acabou quase por esgotar no ano passado, depois de injecções que já chegaram aos 3,4 mil milhões de euros. A selecção de créditos a incluir nessas chamadas de capital do Fundo de Resolução foi sendo crescentemente escrutinada, tendo mesmo gerado uma comissão de inquérito parlamentar à gestão de António Ramalho, na sequência da cobertura do Estado às injecções requisitadas pelo Novo Banco.

Perante a polémica que foram provocando as sucessivas chamadas de capital, o Governo de António Costa foi diminuindo a exposição das contas públicas ao Novo Banco, que passaram de injecções directas do Tesouro – para serem recuperadas em prazos muito longos junto da banca e culminaram apenas na contabilização do impacto da participação do Fundo de Resolução nessas injecções, mesmo que financiadas pelos bancos privados (dado que o Fundo de Resolução está dentro do Banco de Portugal).

Já depois do primeiro exercício com lucros do Novo Banco, António Ramalho decidiu pedir mais 200 milhões de euros, justificando-os essencialmente com divergências fiscais relacionadas com a tributação de IMI de imóveis dentro do mecanismo de capital contingente. E fez mesmo uma referência ao impacto neutro que teria no Orçamento do Estado. “É, de um lado, o Estado e, do outro lado, também é o Estado”, disse, sublinhando que “só se o Estado cobrar esse imposto é que [o Fundo de Resolução] tem de dar esse dinheiro”.

Governo e Fundo de Resolução foram rápidos a pôr de parte qualquer injecção relacionada com esta questão. Seja como for, já não será Ramalho a dialogar com o Estado sobre este assunto.

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