Vladimir Putin perante o Tribunal Penal Internacional

A ONU tem sido manifestamente incapaz de solucionar os vários conflitos armados a que a comunidade internacional está a assistir. Essa incapacidade deriva do “direito de veto”, concedido aos cinco membros-permanentes do Conselho de Segurança.

Mediante queixa das autoridades ucranianas, a Rússia está a ser investigada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) pela prática de factos que podem constituir crimes de guerra e crimes contra a humanidade, pelo uso de bombas de fragmentação, bombas de estilhaços e bombas de vácuo, bem como pelo ataque a zonas habitacionais, hospitais, escolas e orfanatos.

O Estatuto de Roma, aprovado, para ratificação, a 17 de julho de 1998, deu origem ao Tribunal Penal Internacional TPI)), única instância capaz de investigar, avaliar e condenar crimes de guerra. Sete países votaram contra o projeto da sua criação: EUA, China, Iémen, Iraque, Israel, Líbia e Qatar, preferindo uma cultura de impunidade a uma cultura de responsabilização. A criação do TPI foi um grande passo em direção à universalidade dos direitos humanos e ao respeito pelo direito internacional. Pena é que o TPI, umas vezes por falta de jurisdição, outras vezes por falta de colaboração das autoridades políticas e do Conselho de Segurança da ONU, não tenha sido tão eficiente quanto se desejava.

O TPI tem como objetivo julgar indivíduos pela prática de crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra humanidade e crimes de agressão. Nos termos do art. 4 n.º 2 do Estatuto, o TPI pode exercer os seus poderes e funções “no território de qualquer Estado parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro”.

Nem a Rússia nem a Ucrânia ratificaram o Estatuto de Roma, razão pela qual, em princípio não estão submetidos à jurisdição do Tribunal. Acontece, porém, que a Ucrânia, ao fazer a queixa contra a Rússia, aceitou a jurisdição do do TPI , sendo que os factos denunciados estão a ocorrer no território ucraniano, o que confere ao Tribunal competência para exercer as suas funções, investigando e condenando, caso se venham a provar os crimes denunciados,

O Conselho de Segurança da ONU também tem poderes para apresentar o caso ao procurador do Ministério Público junto do TPI. Porém, o papel do Conselho de Segurança no mundo dá ao observador, atento e independente, a imagem daquelas organizações que apenas existem para servirem interesses de pessoas ou grupos. Trata-se de um órgão cujo funcionamento é monopolizado pelos cinco membros-permanentes, com o direito de veto.

O povo ucraniano está a ser vítima de crimes que chocam profundamente a consciência da humanidade e o conflito constitui uma ameaça à paz mundial, à segurança e ao bem-estar da humanidade. Espera-se que o TPI cumpra as funções para que foi criado, de modo a que os crimes que chegarem ao seu conhecimento não fiquem impunes.

Esclareça-se que a Rússia, em vez de recorrer à guerra e à invasão militar da Ucrânia, tinha obrigação, pelo direito internacional, de resolver o seu eventual direito por meios pacíficos.

Com efeito, atualmente, os conflitos internacionais são resolvidos através da Carta da ONU, nomeadamentre através da Assembleia Geral, Conselho de Segurança e Tribunal Internacional de Justiça. Recorde-se que o direito internacional é o conjunto de regras e princípios de ação que vinculam os Estados civilizados, nas suas relações com os outros (vg. tratados e costumes internacionais, princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas, decisões judiciais e ensinamentos dos autores).

A Carta da ONU impõe aos Estados-membros que resolvam as suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, por forma a que não sejam ameaçadas a paz internacional, a segurança e a justiça (art. 2.º nº 3.º). Esta obrigação é completada pelas normas dos arts. 33.º e 37.º que obrigam as partes num conflito, cuja continuação possa pôr em perigo a paz internacional, a procurar uma solução por negociação ou por outros meios à sua escolha. Só no caso de esses meios falharem é que os devem submeter à apreciação do Conselho de Segurança. O Tribunal Internacional de Justiçam está aberto a todos os Estados que sejam partes no Estatuto e também a outros, além desses, em condições definidas pelo Conselho de Segurança. Em princípio, a competência do Tribunal depende da vontade das partes e tem também competência consultiva quando for solicitado parecer pelos órgãos da ONU. Saliente-se que o Tribunal tem funcionado mais como um tribunal arbitral, na resolução dos conflitos, por falta de meios coercivos.

Confrontando as normas internacionais com a realidade, facilmente se chega à conclusão no sentido de que os órgãos da ONU têm sido manifestamente incapazes de solucionar os vários conflitos armados a que a comunidade internacional está a assistir.

Essa incapacidade deriva do facto de existir o “direito de veto”, concedido aos cinco membros-permanentes do Conselho de Segurança (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos), a quem supostamente compete a manutenção da paz e a segurança internacionais. Com efeito, A Rússia, a China e os EUA têm recorrido sistematicamente ao “veto”, com base em razões puramente políticas e sempre que quiseram abafar um debate ou fazer prevalecer os seus pontos de vista. Deste modo, o Conselho de Segurança tem-se visto, assim, impossibilitado, na maior parte dos casos, de desempenhar as suas responsabilidades que a Carta lhe atribui na manutenção da paz.

O fim do “veto” e a implantação da democracia no Conselho de Segurança, por forma a que os votos dos membros-permanentes sejam iguais aos membros não permanentes, seria o maior feito que António Guterres, como secretário-geral, poderia oferecer à comunidade internacional.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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