“Uma criança de cinco anos gritava: ‘Eu não quero morrer’” — sobreviventes descrevem bombardeamento a teatro em Mariupol

Ainda não se sabe quantas pessoas morreram durante o bombardeamento ao Teatro Drama de Mariupol, mas a BBC publicou os primeiros relatos de sobreviventes do ataque que reduziu o teatro a cinzas e escombros.

Foto
Imagem de satélite tirada antes do ataque ao Teatro Drama de Mariupol MAXAR TECHNOLOGIES/Reuters

Há uma semana, no dia 16 de Março, uma bomba atingiu o Teatro Drama de Mariupol, um edifício que estava a ser usado como refúgio por centenas de residentes da cidade ucraniana cercada pelas tropas russas, principalmente mulheres e crianças. Ainda não se sabe quantas pessoas morreram, no total, durante o ataque, mas surgiram esta terça-feira os primeiros relatos de sobreviventes do ataque que reduziu o teatro a cinzas e escombros.

Mariia Rodionova, uma professora de 27 anos, estava abrigada naquele teatro há dez dias depois de ter abandonado o seu apartamento em Mariupol com os seus dois cães. A professora conta à BBC que, durante toda a manhã de quarta-feira, aviões russos sobrevoaram a cidade.

Por volta das 10h (hora local), Mariia deixou os animais de estimação presos à sua bagagem e dirigiu-se à entrada principal do edifício onde estavam a distribuir água quente (os animais ainda não tinham bebido). Foi então que a bomba caiu e a professora ouviu um som estrondoso, seguido do som de vidro a partir. Sentiu uma dor intensa num ouvido e achou que o seu tímpano tinha rompido, mas rapidamente se apercebeu que tal não tinha acontecido porque conseguia ouvir os gritos das pessoas.

Um homem surgiu por trás de Mariia e empurrou-a contra uma parede, tentando protegê-la com o seu próprio corpo. Um outro homem foi atirado contra uma janela, tendo ficado com o rosto coberto de estilhaços de vidro. Uma mulher, que também tinha um ferimento na cabeça, tentou ajudá-lo, mas Mariia, que era voluntária na Cruz Vermelha Ucraniana em Mariupol, disponibilizou-se para ir buscar o seu kit de primeiros socorros para ajudar ambos. Mas o kit estava dentro do teatro e aquela parte do prédio tinha desabado.

“Só havia escombros. Era impossível entrar. Durante duas horas não pude fazer nada. Só fiquei lá. Estava em choque”, recorda.

“Coisas terríveis estavam a acontecer”

Vladyslav, serralheiro de 27 anos (que não quis usar o nome completo), também tinha entrado no teatro naquela manhã à procura de alguns amigos que lá estavam abrigados. Estava perto da entrada principal quando as forças russas bombardearam o edifício, tendo-se dirigido, juntamente com outras pessoas, para a cave. Dez minutos depois, foi informado de que o prédio estava em chamas, saiu da cave e deparou-se com o caos. “Coisas terríveis estavam a acontecer”, diz.

Vladyslav recorda ter visto várias pessoas a sangrarem, algumas com fracturas expostas. “Uma mãe estava a tentar encontrar os seus filhos debaixo dos escombros. Uma criança de cinco anos gritava: ‘Eu não quero morrer’. Foi de partir o coração”, lembra.

No dia seguinte ao ataque, a autarquia de Mariupol disse que 130 pessoas tinham sido resgatadas e que é possível que muitas tenham sobrevivido. Porém, a situação devastadora que actualmente se vive na cidade torna impossível traçar uma imagem mais clara do que aconteceu.

Mariia explica à BBC que se encontravam cerca de 30 pessoas no salão onde estava abrigada e que acredita que todas terão morrido. Depois de a bomba ter caído, a professora nunca mais encontrou os seus cães. “Para mim, os meus cães eram mais importantes do que tudo.”

Vladyslav, assim como Mariia, diz ter visto muitas pessoas a abandonarem o edifício. “Alguns estavam com as suas bagagens. Ninguém sabia o que fazer e a área continuava a ser bombardeada”, conta a professora.

Depois de algumas horas, Mariia abandonou o local e tentou parar os carros que encontrava pelo caminho na esperança de conseguir abandonar Mariupol. “As pessoas estavam em pânico. Ninguém me levou no carro.” Foi então que decidiu começar a caminhar ao longo da costa. “Precisava de sair da cidade.”

Mariia chegou à vila de Pishchanka e conheceu uma mulher que lhe perguntou se “estava bem”. “Comecei a chorar”, recorda. Passou a noite ali e, na manhã seguinte, continuou a caminhar até chegar a Melekine. Seguiu-se Ialta e Berdiansk. “Caminhei todo aquele tempo”, nota.

Agora em segurança, Mariia recorda que quando abandonou o seu apartamento para se refugiar no teatro em Mariupol, a sua avó, que morava com ela, recusou-se a acompanhá-la. “Ela apenas disse: ‘É o meu apartamento, a minha casa. Vou morrer aqui’”.

Mariia continua sem saber se a avó está viva.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários