Rússia lança investigação a jornalista por “informações falsas” sobre o Exército

Este é o primeiro caso conhecido deste tipo contra um jornalista desde a adopção de uma lei que prevê até 15 anos de prisão por qualquer informação sobre o Exército russo que o Kremlin considere falsa. Alexandre Nevzorov é acusado de ter “publicado intencionalmente informações falsas sobre um bombardeamento deliberado a uma maternidade em Mariupol”.

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Forças russas em Mariupol, Ucrânia ALEXANDER ERMOCHENKO/Reuters

A Rússia abriu esta terça-feira um processo-crime contra um célebre jornalista por publicar “informações falsas” sobre as acções do Exército russo na Ucrânia, uma acusação recentemente introduzida e que pode implicar uma pena de 15 anos de prisão.

O Comité de Investigação, responsável pelos principais casos, anunciou ter “aberto uma investigação criminal contra o jornalista Alexandre Nevzorov”, acusando-o de ter “publicado intencionalmente informações falsas sobre um bombardeamento deliberado a uma maternidade em Mariupol [Sudeste da Ucrânia] pelo Exército russo”.

“Estas publicações foram acompanhadas de fotografias não fiáveis de civis afectados pelos bombardeamentos. O Ministério da Defesa russo já anunciou oficialmente que esta informação era falsa”, acrescentou numa declaração.

O comité disse ainda estar a tentar localizar Nezvorov, de 63 anos, que foi membro do Parlamento russo nos anos 2000.

Este é o primeiro caso conhecido deste tipo contra um jornalista na Rússia desde a adopção, no início de Março, de uma lei que prevê até 15 anos de prisão por qualquer informação sobre o Exército russo que o Kremlin considere falsa.

Antigo apresentador de televisão, o jornalista publica agora principalmente em redes sociais e no YouTube, onde o seu canal tem mais de 1,6 milhões de subscritores, e os últimos quatro vídeos tiveram cada um mais de três milhões de visualizações.

O processo contra Nevzorov tem como pano de fundo uma repressão crescente contra os meios de comunicação e jornalistas, em paralelo com a “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia.

O Kremlin e os meios de comunicação social que controla apresentam esta intervenção como uma operação para “desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia, bem como para prevenir o “genocídio” contra a população russófona.

Utilizar a palavra “guerra” para descrever esta intervenção ou referir-se a acções contra civis é teoricamente passível de acusação.

Para além da lei que pune “mentiras” contra o Exército, os deputados russos aprovaram esta terça-feira uma lei semelhante que prevê até 15 anos de prisão contra aqueles que denigrem as acções de Moscovo no estrangeiro.

Neste contexto, muitos meios de comunicação independentes, tanto russos como estrangeiros, foram bloqueados nas últimas semanas, assim como várias redes sociais, como o Twitter, Instagram e Facebook.

Em Paris, a jornalista Zhanna Agalakova, correspondente europeia do Canal 1, uma televisão pública russa, participou esta terça-feira numa conferência de imprensa organizada pela organização de defesa dos jornalistas Repórteres Sem Fronteiras denunciando a propaganda do Kremlin sobre a invasão da Ucrânia.

“Quero que a Rússia me ouça, que as pessoas aprendam a distinguir propaganda (...), parem de ser ‘zombieficadas'”, adiantou.

Em meados de Março, outra jornalista, Marina Ovsiannikova, invadiu o noticiário daquela televisão exibindo um cartaz para denunciar a ofensiva na Ucrânia.

A Rússia lançou a 24 de Fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que causou pelo menos 925 mortos e 1496 feridos entre a população civil, incluindo mais de 170 crianças, e provocou a fuga de mais 10 milhões de pessoas, entre as quais 3,48 milhões para os países vizinhos, indicam os mais recentes dados da ONU.

Segundo as Nações Unidas, cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.

A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.

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