Chef-estrela e influencer é o primeiro alvo do Comité de Investigação russo

Departamento russo abriu inquérito e admite colocar Veronika Belotserkovskaya, actualmente fora do país, numa lista de procurados. Chef responde com sarcasmo: “Numa receita de pá de cordeiro com anchovas pode-se esconder tanta informação difamatória.”

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Veronika Belotserkovskaya, de 51 anos, incorre numa pena de prisão de até 15 anos DR\Instagram

Veronika Belotserkovskaya, de 51 anos, é uma blogger e apresentadora de televisão, autora de livros de cozinha, editora da revista Sobaka e proprietária de uma escola de culinária no Sul de França. Em tempos, foi até uma figura acarinhada pelas instituições russas, tendo recebido o prémio Gestora de Media em 2004, nos Prémios Empresariais Nacionais, na categoria Revistas. Mas, agora, é catalogada como uma perigosa disseminadora de “informações falsas sobre a utilização das Forças Armadas russas”, segundo o Comité de Investigação russo, que abriu um inquérito criminal e admite colocá-la numa lista internacional de procurados.

A acusação deriva da aprovação, a 4 de Março, de criminalizar a partilha de informação independente sobre o que se passa na Ucrânia, assim como os protestos contra a guerra. As penas podem ir até 15 anos de prisão e o primeiro alvo foi precisamente a blogger.

Com esta acusação em curso, Veronika Belotserkovskaya não pretende regressar à Rússia. Mas, deixa o alerta de que ninguém está a salvo, já que as autoridades não começaram por um opositor político ou por um activista, mas por uma blogger de comida e lifestyle: “O objectivo é punir uma parte muito mais vasta da sociedade”, constata Belotserkovskaya, citada pelo jornal britânico The Guardian.

Aliás, depois da influencer, é conhecida a existência de mais dois processos, ambos contra residentes da região siberiana de Tomsk: um contra Marina Novikova, uma mulher de 63 anos, reformada, que na sua conta de Telegram, onde tinha menos de 200 seguidores, se manifestou contra as acções da Rússia na Ucrânia; outro contra uma pessoa não identificada.

Veronika Belotserkovskaya, que sempre usou as suas redes sociais para mostrar o lado mais glamoroso e saboroso da vida (antes do início da guerra, as suas últimas publicações eram de uma produção de moda nas Maldivas), mudou de registo após a invasão da Ucrânia: “Deus, acabe com este horror”, publicou há três semanas.

A partir daí, seguiram-se publicações em que a autora deixa transparecer o sofrimento: “Não sei o que posso fazer. Não sei como posso mudar alguma coisa. Nunca me senti tão terrivelmente desamparada”, confessa no mesmo texto em que recorda ter nascido em Odessa, embora nas suas biografias surja Leninegrado (actual S. Petersburgo) como o local de nascimento.

“[Odessa] é a minha cidade favorita em todo o planeta. Meus caros irmãos e irmãs ucranianos, abraço-vos com todo o meu coração. Desejo-vos força e coragem. (...) Saibam que nem eu, nem as pessoas próximas de mim, nem qualquer pessoa que conheça, queria esta guerra.”

Para o Comité de Investigação russo, as palavras da célebre chef promovem a desinformação. “Segundo os investigadores, em Março de 2022, Veronika Belotserkovskaya publicou uma série de posts na sua página pública na rede social Instagram. Sob o pretexto de relatórios fiáveis, estes continham informações deliberadamente falsas sobre a utilização das Forças Armadas da Federação Russa para destruir cidades e atingir a população civil da Ucrânia, incluindo crianças, durante uma operação militar especial no território do Estado acima referido”, lê-se no site do organismo russo.

Para a comunicadora, a acusação consegue até ter alguma graça. “Espero que todos os meus livros de cozinha tenham sido retirados das lojas”, escreve Veronika na sua conta de Telegram (@belonika), onde parodia a situação. “Toda a gente sabe que numa receita de pá de cordeiro com anchovas, nas entrelinhas, sob o pretexto de ‘informação fiável’, se pode esconder tanta informação difamatória. E o foie gras hostil de um país hostil? E os lagostins?! Vejam os seus rostos na fotografia! São de criaturas que aceitam subornos! E as ostras mentirosas, viscosas, rangentes e nojentas que fazem os cidadãos patrióticos contorcerem-se em agonia?”

Porém, a publicação não tarda a tomar um tom mais sério quando escreve que “a este ritmo, em breve todas as fotografias de alimentos serão automaticamente consideradas falsas — quando a comida se esgotar”.

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