Está o cancro digestivo associado a risco familiar?

Os tumores digestivos são uma preocupação importante na nossa saúde, pela sua elevada incidência e mortalidade. Existem vários factores de risco que lhe estão associados, entre eles estão as síndromes hereditárias, cuja identificação pode reduzir o impacto do cancro. Este é o Mês Europeu do Cancro Colorrectal.

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A alimentação e o exercício físico são recomendadas Rui Gaudencio/Arquivo

O cancro gastrointestinal corresponde a um em cada quatro casos de cancro diagnosticados no mundo, sendo o cancro do cólon e recto (CCR) o cancro gastrointestinal mais frequente, responsável por 10,2% dos casos de cancro, seguido pelo cancro do estômago, fígado, esófago e pâncreas. O CCR é o segundo cancro mais mortal no mundo, a seguir ao cancro do pulmão, sendo responsável por 9,4% das mortes por cancro. Em Portugal, o CCR é o terceiro cancro mais frequente após o cancro da mama e do pulmão, correspondendo a 10,8% dos casos de cancro, e o segundo mais mortal, sendo que 12 pessoas morrem por dia por CCR.

Qual o risco de ter um cancro do cólon e recto?

Todos os cancros têm na sua origem factores de risco inevitáveis, tais como género, idade e características genéticas e factores de risco evitáveis, associados ao estilo de vida. O risco de CCR está maioritariamente associado a estilos de vida ou comportamentos pouco saudáveis, nomeadamente à obesidade, sedentarismo, elevado consumo de carne vermelha ou processada, baixo consumo de fruta e vegetais, hábitos alcoólicos e tabágicos. A prática de exercício físico e uma dieta saudável, equilibrada e do tipo mediterrânea deve ser o primeiro passo para reduzir o risco de CCR. Segundo a International Agency for Research on Cancer, 55% dos CCR podem ser prevenidos com comportamentos mais saudáveis.

O CCR tem uma maior incidência no sexo masculino. No entanto, a idade é o factor de risco inevitável mais importante, dado que cerca de 70% dos doentes com CCR têm mais de 65 anos, sendo uma doença rara antes dos 40 anos. É fundamental a partir dos 50 anos aderir a um programa de rastreio e vigilância de CCR, seja por pesquisa de sangue oculto nas fezes por método imunoquímico, seja por colonoscopia, que vai permitir a detecção e tratamento de lesões precursoras, designadas de pólipos, ou de tumores em fase precoce.

Mas afinal qual é a importância dos factores genéticos para o aparecimento do CCR? 10% dos casos de CCR apresentam história familiar de cancro, mas apenas 3 a 5% surgem no contexto de síndromes hereditárias. Nas famílias com síndromes hereditárias, existe uma mutação genética que é herdada de pais para filhos e que lhes confere um risco aumentado de cancro, quando comparado com pessoas com o mesmo género e idade, mas sem a mutação genética. A síndrome hereditária mais frequente associado ao CCR designa-se de Síndroma de Lynch (SL). As pessoas portadoras de uma mutação associada ao SL têm, ao longo da sua vida, um risco de ter um CCR que pode chegar aos 73%, mas também de outros tumores tais como do endométrio (30 a 51%), ovário (4 a 15%), estômago (até 18%), intestino delgado (3 a 5%) vias urinárias (2-20%), pâncreas (4%), cérebro e glândulas sebáceas.

Apesar de as síndromes hereditárias serem condições raras, a carga de doença associada é elevada. A identificação e a implementação de um programa de rastreio e vigilância nas síndromes hereditárias têm um impacto muito importante na redução da incidência e mortalidade por cancro e na qualidade de vida destas famílias. Com um programa adequado de vigilância, consegue-se reduzir a mortalidade por CCR num doente com SL em 72%.

Actualmente, está preconizado internacionalmente proceder-se ao rastreio genético em todos os tumores do cólon e recto operados. É feito um estudo molecular na peça operatória em que se procuram proteínas que no contexto do SL estão ausentes. Se esta análise for favorável ao diagnóstico de SL, dever-se-á então avançar para o diagnóstico genético que poderá confirmar o diagnóstico. Deste modo, aumentamos a probabilidade de identificação daquele que é a síndrome hereditária mais frequente associada ao CCR.

Importa esclarecer que a maior parte dos casos das famílias em que há história familiar de cancro gastrointestinal não se tratam de síndromes hereditárias. No entanto, quem tem um familiar em primeiro grau com CCR apresenta um risco aumentado de CCR. Sabemos que este risco é tanto mais elevado quanto maior o número de casos de CCR na família e quanto mais jovens forem os atingidos.

Na presença de história familiar, a vigilância consiste na realização de colonoscopia em detrimento da pesquisa de sangue oculto nas fezes. O maior risco de CCR traduz-se na presença de pólipos do cólon em idades mais jovens, num maior número de pólipos ou em pólipos com uma evolução mais acelerada. Deste modo, a idade de início e o intervalo de vigilância com colonoscopia devem ser adequados à história familiar. Esta estratificação de risco familiar e a adequação do programa de vigilância é realizada pela especialidade de Gastrenterologia.

Tem-se verificado uma incidência crescente de CCR, nomeadamente em idades mais jovens, o que estará associado à adopção de estilos de vida menos saudáveis. Observa-se que 55% dos tumores do cólon são, actualmente, diagnosticados na fase III ou IV da sua evolução. Ora quanto mais precoce o diagnóstico, maior a probabilidade de sobrevida e menor a mortalidade.

No Mês Europeu do Cancro do Cólon e Reto, devemos reforçar a importância da prevenção, que passa pela adopção de comportamentos saudáveis, assim como pela vigilância e rastreios, que deve estar em conformidade com a história familiar. Devemos estar despertos para a importância da identificação das síndromes hereditárias associadas ao CCR, com o objectivo de reduzir o impacto desta doença.

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